Início Ricardo F. Bastos A triste figura das passeatas

A triste figura das passeatas

Situação curiosa essa das mobilizações para o retorno das aulas. Para limpar o assunto, deixemos de lado aqueles oportunistas politiqueiros que buscam se beneficiar do legítimo sofrimento de parte da coletividade. E que conste o mais profundo respeito por aqueles que se veem destituídos de seu trabalho, de seu meio de vida. Nem vou falar dos estudantes que têm dificuldade de acesso aos equipamentos e conexões necessárias ao acompanhamento das aulas. São traços da nossa sociedade desigual que não foram resolvidos antes, não estão sendo resolvidos agora e não tenho motivos para crer que se resolverão a curto prazo. Muitos países com menos condições que o Brasil já haviam promovido programas de inclusão digital. Mas não parece que seja o foco das atuais mobilizações e muito menos o segmento social nelas representado.

Resulta uma luta quixotesca, um esforço político para superar algo que não está ao alcance da política e que supõe adversários onde não os há. Sinceramente, não conheço ninguém que não queira o retorno às aulas presenciais. Acredito, inclusive, que para nenhuma categoria de trabalhadores fez tanto sentido o clichê “reinvenção na pandemia” como para os professores. Apesar da expressão bonitinha, quem acompanhou de perto esse processo o que viu foi muito stress, sofrimento e gastos a deduzir de um salário minguado. Ninguém mais que os professores querem voltar a ter a escola como apoio e ver se normalizar sua vida doméstica. Tenho três filhas estudantes, há muito entediadas, principalmente com o déficit de convivência. É bom lembrarmos disso quando algum tresloucado propuser novamente a educação em casa.

Também o prefeito ou a prefeita querem o retorno das aulas, pois os municípios seguem arcando com todas as despesas fixas da educação. O mesmo se pode dizer do governo do Estado. O atual governador, inclusive, solicitou ao STF que levantasse a restrição hoje existente e permitisse antecipar o lugar dos professores na fila da vacina. Antes, o STF não tinha nada que ver com isso e já existia a contenda. Mas, agora foi parar lá, por força de uma liminar. O que iria querer o STF com o trancamento das aulas presenciais que não evitar medidas que trariam ainda mais risco à saúde pública?

Não podemos esquecer que, há poucas semanas, o Sindicato do Ensino Privado (Sinep), tentou forçar o retorno às aulas, em caráter obrigatório e com redução do distanciamento em sala de aula. Sim, isso mesmo. Imaginem o desastre que teria sido, frente à chegada das novas variantes que, mesmo sem essa ajuda, nos levaram em março à primeira redução populacional no RS, desde que existem dados disponíveis.

Enfim, a mobilização pela volta às aulas é uma luta contra um inimigo imaginário. Todos queremos o retorno. É preciso que cada um reconheça o seu papel nesse contexto. Você é da área científica especializada? Você é da linha de frente? Do contrário, é o caso da grande maioria das pessoas, que melhor faz unindo esforços para diminuir o sofrimento dos mais atingidos e ajudar a comunidade a atravessar esse momento difícil.