Início André Pinto Guarda nos relacionamentos homoafetivos

Guarda nos relacionamentos homoafetivos

As uniões entre pessoas do mesmo sexo, vinculadas pela afetividade e determinadas a uma comunhão plena de vida, têm sido cada vez mais recorrentes, superando ranços ideológicos e históricos preconceitos. O afeto como valor jurídico e a pluralidade dos nichos relacionais em família, permitiram a exteriorização de um modelo até há bocado não aparente, conquanto real.

Por essa cancha é que transita o discutido do direito à paternidade e maternidade pela adoção ou pela reprodução humana medicamente assistida e, por conseguinte, da guarda de crianças – filhas de um deles em sede de uniões ou relações heterossexuais pretéritas.

Relevante vincar a inexistência de qualquer indicativo científico apontando que a guarda aos casais homossexuais, seja nociva à construção da personalidade do sujeito em formação; ao reverso, os dados até aqui reunidos indicam exatamente o contrário, ou seja, que não há diferenças significativas entre pessoas heterossexuais e homossexuais, relacionadas à habilidade para o cuidado de filhos, à atenção dedicada a eles, ao tempo passado juntos ou à qualidade da relação pais/filhos; que as mães lésbicas tenham menos interações com seus filhos de que as mães heterossexuais. Os problemas das crianças não estão necessariamente relacionados à orientação sexual dos pais/ mães, sendo a qualidade da relação que os pais conseguem estabelecer com os filhos o fator determinante para o seu bem-estar e bom desenvolvimento psicológico e da própria identidade sexual delas, pois o modelo de identidade, tanto para um sexo quanto para o outro, está dado pela presença de outros adultos significativos.

A negativa do direito de esses casais serem pais e mães e de exercerem a custódia de filhos, em face da identidade sexual que ousaram assumir, pode perversamente significar que um número indeterminado de crianças cresça sem um lar, sem um ambiente de convivência familiar, que permaneçam institucionalizadas, sem rosto, sem nome, sem reconhecimento.

Essa realidade se torna mais aguda ainda se avaliado que foram a falta de carinho, a negligência, o abandono, a violência física e psicológica e abusos sexuais que as retiraram da família de origem e as encaminharam para instituições. Ao invés de um lar pavimentado pela argamassa do afeto e do respeito, com estrutura material adequada, a entrega à despersonalização.

Ademais, não se pode desconsiderar  que os casais homoafetivos deverão preencher os mesmos requisitos, objetivos e subjetivos, exigidos dos casais heterossexuais e das individualidades que pleiteiam adoção e guarda.

Não se sustenta o argumento voltado para as dores na alma pelo provável preconceito e discriminação que atingiram a criança, uma vez que, mesmo em menor escala, ou de forma mais dissimulada, isto já se sucede com pessoas negras, com indígenas, cidadão pobres e pessoas portadoras de necessidades especiais, entre outros grupamentos segregados e descapacitados, consoante à ditadura imposta pelas convenções sociais e determinadas pelo ideário que embala a mídia e o mercado. A propósito, sofrimento não muito diferente atinge todo aquele que ousa pensar diferente, que não se enquadra nos estreitos moldes referidos, professando ideologias, proclamando convicções, assumindo atitudes singulares.

A propósito, forma uma capa de proteção, todo aquele que sofre estigmas termina por desenvolver mecanismos eficientes e mais sofisticados de elaboração das dificuldades decorrentes, aprendendo como se conduzir nas situações de constrangimentos, evitando exposições desnecessárias e selecionando as relações de convivência e as pessoas para quem será confidenciada a orientação sexual.

Outra restrição veiculada, adstrita a quem exerceria o papel do “pai” e quem exerceria o da “mãe”, é “chumbada” do ponto de vista da psicanálise, pois necessária é a presença de um “terceiro” para a separação psíquica entre mãe e filho, uma das atribuições da chamada “função paterna”, a qual pode ser exercida pelo parceiro/ a do pai/ mãe.

Ainda que se descortinem desafios, não se pode abdicar da oportunidade da convivência familiar, garantia fundamental, promotora da dignidade humana, apenas porque, à mingua de anteparo científico, a entrega aos instintos homoafetivos desgarra da moral reinante e do comportamento tido como padrão.

Por isso, entendo que a orientação homossexual de um dos pais não constitui empecilho para o exercício da sua função parental. Há que proteger os vínculos familiares, vivificar o afeto, ensinar a importância da diversidade e do pluralismo e estimular a prática da tolerância.