Início Colunas No fundo somos analógicos

No fundo somos analógicos

Nesses tempos de redes sociais e recolhimentos preventivos em relação à Covid-19, deparei-me com uma reportagem feita pelo El País com o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. O título é “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”. De fato, o filósofo tem toda a razão. Vivemos em tempos que o algoritmo responde por nós, presos a ideais dos que fazem parte de “nosso” grupo e reticente em relação ao outro – o que discorda de nós.

Lendo cada detalhe, fui comparando o que estava escrito com a minha postura em relação ao mundo e me critiquei muito. Sim, sou exatamente igual a qualquer outro que utiliza a comunicação digital achando que está fazendo o máximo para si, mas que se prende aos conceitos da dita bolha.

Falar com os “meus” não me acrescenta nada a não ser a satisfação do ego. Os “likes” que se avolumam trazem satisfação e me enganam e idiotiza. Escrever para quem apenas concorda, deixa-me no vácuo da ignorância, pois não sei ser capaz de entender o outro, justamente o que pensa diferente e isso me conforta. Se alguém pensa de outra maneira eu deleto, tu deletas, ele deleta. Não estamos fazendo nada mais do que sermos iguais. Pior, enxergamos no outro aquilo que somos. Quantas vezes, por comodidade ou por falta de argumentação, deixamos de seguir, bloqueamos ou encerramos amizades porque o (a) cara faz um discurso que não me serve. Na real, combato com a mesma clava que ele me golpeia e ficamos assim, satisfeitos.

A reportagem é profunda em retratar opiniões a respeito de autenticidade, autoexploração, big data, comunicação, narcisismo, entre outros. Em um dos parágrafos tece a observação de que nesses tempos digitais, as universidades formam para o mercado e não para exercer o pensamento crítico. Em outro ponto justifica: “A UE não foi uma união de sentimentos, mas sim comercial; é um monstro burocrático fora de toda lógica democrática; funciona por decretos…; nesta globalização abstrata acontece um duelo entre o não lugar e a necessidade de ser de um lugar concreto; o especial é incômodo, gera desassossego e arrebenta o regional. Hegel dizia que a verdade é a reconciliação entre o geral e o particular e isso, hoje, é mais difícil…”.

Então, o que me resta?

Não sei se conseguirei me reformar, mas vou pensar mais que só duas vezes quando me deparar com situações de igualdade e exercer o tempo que tenho direito para me opor ou concordar comigo, em primeiro lugar.

Não pensem que me apartarei do Facebook (a rede que mais utilizo). Estarei presente só que mais analítico e crítico comigo próprio.

Caso seja possível e tenhas interesse, procura o texto e tenha um ótimo proveito.

Sem ser exatamente isto, uma outra situação tomou minha atenção nesta semana. Terça-feira fui a uma lotérica pagar algumas contas e encontrei com um velho amigo. Durante esses tempos de pandemia só o tinha visto uma vez e muito rapidamente. Desta vez, parei e conversamos um pouco. Que sensação boa! Falar com alguém de forma presencial e não somente pelo WhatsApp.Naquele momento vi que as relações não são superficiais e distantes como vivemos nesses meses de total cuidado. Falar com meu amigo me pareceu presenciar a vida. Nada neste mundo substitui o contato, o cheiro, o entendimento das cores, o vento no rosto, um aperto de mão, aquele abraço apertado. No fundo, bem dentro de nós, ainda somos meio analógicos, muito embora não confessamos.