Início Opinião Casa no campo…

Casa no campo…

O sino interrompeu meu sono cansado. Pouco antes do amanhecer de 31 de dezembro. Velhíssimo, o vovô 2012 ensaiava os derradeiros e claudicantes passos para a eternidade. O calor prometia… No chuveiro comecei a saborear, pelas  memórias de tantos Anos Bons, a supimpa preciosidade da MPB “Casa no campo”. Isso tudo na voz de aplaudir de pé da gaúcha Elis, que, irreverente, transformava o silêncio monástico em um caleidoscópio de lembranças ardidas. Lembro-me do dia de sua morte, em 1982. Estava em um táxi de vidros abertos, em Sampa, em um comecinho de tarde de janeiro, na Avenida Ipiranga, a caminho da audiência trabalhista. A notícia explodiu pelo rádio do fusca caindo aos pedaços. Tocaram “Casa no campo”. O motorista, após mastigar uma interjeição que os gringos chamariam de parolaccia, buzinou e transmitiu a novidade para o carro do lado: vermelho, se não me engano… O ator Cláudio Cury, na época advogado do Sindicato dos Metalúrgicos ainda não sabia. Ficou em prantos no corredor da Justiça do Trabalho. Meu amigo era amigo da cantora reverenciada até hoje como uma das melhores do Brasil. Magistral a referida obra de Zé Rodrix na interpretação da Pimentinha: “Eu quero uma casa no campo onde eu possa ficar no tamanho da paz… Onde eu possa plantar meus amigos
meus discos, meus livros e nada mais…”
Dirigi-me à capela, onde rezamos o primeiro ofício do dia, refletindo sobre isso tudo nos degraus da escada. No pranto do Cláudio. Na imortalidade do talento (reflexo da centelha divina) partilhado para sempre por toda a humanidade: verdadeiro dom de Deus. Nos muitos amigos que construímos ao longo de nossas vidas de reentrâncias e saliências, mas também de esperança naquele que É e tudo pode. Que tem uma palavra amorosa para cada um de nós, suas crianças levadas da breca… Pensava nos queridos que sofreram perdas impensáveis em 2012: Eurico e Domingas. Mataram Davidson, de quase 32 anos, em Salvador no posto de gasolina, por causa de um relógio caro; Ênio e Lenira que também sepultaram o filho jovem e não perderam a profunda fé em Deus. Em D. Irineu Rezende Guimarães, lá em Tournay (França) dando um show de bola de quem acredita. Em Valéria, a Lela Mayer, que além de tudo o que faz como profissional, esposa e mãe guerreira que é, conta histórias e é boa nisso; nas sutilezas de D. Rosalie tão solidária conosco; em Marta, Maria Helena, Flávia, Mariela, Betina, Fátima, Sérgio, Zezé, Osvaldo, Marlene, Carlos Miguel…São tantos e tantas, minha gente…. Em todas as pessoas que compõem a comunhão do Mosteiro da Santíssima Trindade, aqui em Santa Cruz do Sul desde 1997, e se refletem em cada espaço de nossas vidas. Por quem rezamos, torcemos e damos graças. Principalmente pela nossa Casa no Campo. Onde plantamos nossos amigos, nossos discos, nossos livros e tudo o mais. Graças a Deus.  

*Ir. Teresa Paula do Espírito Santo OSB é monja do Mosteiro da Santíssima Trindade