
Fabrício Goulart
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É comum ouvir que as pessoas já não se casam tanto quanto antes e preferem apenas morar juntas. Essa percepção é repetida em conversas de amigos e encontros de família, como uma tendência moderna de relações menos formalizadas. No entanto, apesar do senso comum, os números mostram uma realidade bem diferente: em Santa Cruz do Sul, o número de casamentos registrados em cartório disparou nos últimos cinco anos.
Conforme dados do Portal da Transparência do Registro Civil, o aumento foi de 56,2% – passando de 279 para 436 casamentos de 2020 a 2024. Em 2025, de janeiro a junho, também é possível verificar um crescimento considerável de 54,1% em comparação ao mesmo período no ano passado. De 183, o número de casamentos passou para 282 na primeira metade do ano.
Segundo o 3º registrador substituto do Registro Civil das Pessoas Naturais de Santa Cruz do Sul, Felipe Diehl Burtzlaff, há um aumento significativo na procura de casais que desejam formalizar sua união e ele é bastante perceptível. “Esse movimento é visível no dia a dia do cartório e demonstra uma tendência crescente de oficialização das relações”, diz.

Um desses casos é o de Laura Unfer Frantz, de 34 anos, e Rafael Nicolas Frantz, 23, que passaram por momentos difíceis de enfrentamento à dependência química e decidiram oficializar a união em uma oportunidade de recomeço. Casados há um mês, eles tiveram um namoro de três anos marcado por desafios – com Laura sem fazer uso de substâncias químicas há 14 anos e Rafael tendo algumas recaídas ao longo do percurso.
Quando tudo pareceu estar em seu devido lugar, foi o sinal de que era necessário oficializar e celebrar a relação “O peso de registrar a união vai além de um sentimento. Abrange responsabilidade de absolutamente tudo”, avalia Laura. Para ela, o casamento é uma coisa única: “Fez ele ter responsabilidade com a vida e eu me tornar uma mulher”.
Na última década, diversas têm sido as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de tentar desburocratizar o casamento civil, divórcio e outros atos relacionados, tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial. Neste sentido, Burtzlaff explica que o processo de habilitação para casamento está bastante simples e desburocratizado.
O primeiro passo é se dirigir ao Registro Civil para obter todas as orientações por escrito. Feito isso, em cerca de uma semana, no geral, já é possível reunir as certidões e documentos necessários: “Após o encaminhamento da habilitação, o casamento pode ser celebrado em cerca de uma semana, embora, na prática, a maioria dos casais opte por marcar a partir de 10 dias.”

Laços afetivos e segurança jurídica fortalecem união
No Rio Grande do Sul, no mesmo período de cinco anos, o número de registros de casamentos aumentou de 27.424 para 36.702, um crescimento de 33,8%. Presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), Sidnei Hofer Birmann avalia que o crescimento no número de casamentos pode ser uma combinação de vários fatores, incluindo o período pós-pandemia e a busca por segurança jurídica. “Há uma tendência de maior formalização, impulsionada pela necessidade de garantias legais, como direitos patrimoniais, previdenciários e sucessórios”, destaca.
A advogada e professora da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Fabiana Marion Spengler pontua que a pandemia teve “impacto relevante” na postergação dos casamentos. Contudo, também destaca que não é o único fator que explica o aumento nas formalizações. “O crescimento pode ser atribuído também à retomada econômica, ao fortalecimento de vínculos após momentos de crise e à valorização das relações afetivas”, observa.
Para a estudiosa, outro fator importante é o acesso facilitado a informações jurídicas e a utilização de ferramentas online para dar início ao procedimento de habilitação. “Por fim, é importante reconhecer que muitas pessoas temem por seus direitos nas uniões informais”, acrescenta.
Casamentos homoafetivos também têm crescimento
O número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo também apresenta aumento, tanto a nível estadual quanto municipal. No Estado, o crescimento foi de 78% em cinco anos. O número passou de 253 para 451 casamentos. Em Santa Cruz do Sul, foram três registros em 2020 e dez em 2024, o que representa 233,3%.
De acordo com o presidente da Arpen/RS, a mudança se reflete na maior aceitação social e na segurança jurídica após a regulamentação do casamento homoafetivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e CNJ, em 2011 e 2013, respectivamente. “O registro civil cumpre seu papel de garantir igualdade de direitos, e o crescimento é um indicador de que casais LGBTQIA+ estão recorrendo ao cartório para formalizar uniões com as mesmas garantias dos casais heterossexuais”, finaliza.
A professora universitária Fabiana Marion Spengler destaca como avanços, a partir disso, a adoção, o acesso a direitos previdenciários e sucessórios, a partilha de bens e a possibilidade de filiação multiparental. Contudo, sinaliza que ainda faltam leis específicas que protejam de forma mais clara e abrangente os direitos das famílias homoafetivas: “Especialmente no combate ao preconceito que, infelizmente, é ainda o maior entrave social para que essas uniões sejam formalizadas.”














