
Fabrício Goulart
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A possibilidade de suspensão da obrigatoriedade de aulas de direção em autoescolas, para a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), gerou discussões na última semana em todo o país. A mudança é avaliada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, mas ainda não teria sido apresentada ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo estimativas do Ministério dos Transportes, a medida poderia reduzir o custo do documento em até 80%. Em Santa Cruz do Sul, o custo médio para as categorias A e B é de R$ 4,5 mil.
Apesar do atrativo financeiro da mudança aos novos motoristas, questões ligadas à segurança no trânsito passaram ao centro do debate – que divide opiniões. Especialista em legislação de trânsito, o tenente-coronel da reserva da Brigada Militar, Ordeli Savedra Gomes, classifica a suspensão como uma “tragédia anunciada”. “Ano passado, tivemos 34.881 mortes no trânsito e um gasto de R$ 449 milhões no atendimento a sinistrados de trânsito, segundo o SUS (Sistema Único de Saúde). Imagina com pessoas não habilitadas dirigindo e aprendendo sem carros preparados para isso, e sem profissionais capacitados”, pondera.
O estudioso explica que não é necessário um projeto de lei para alterar o Código de Trânsito Brasileiro, já que o processo é regulamentado por resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). “O que ocorre é que o tema não passou pela Câmara Temática de Educação, fugindo do rito normal e pegando a todos de surpresa”, pontua.
Até o momento, não se sabe exatamente como funcionaria a mudança. Mas pelas colocações feitas, o candidato poderia estudar por conta própria, contratar um instrutor autônomo credenciado ou seguir com o modelo tradicional das autoescolas. Segundo o tenente-coronel, o Código de Trânsito Brasileiro já prevê que o tema seja discutido da pré-escola até o nível superior. “Isso está na lei, mas não é colocado em prática. Todo o processo cai na responsabilidade dos CFCs (Centros de Formação de Condutores)”, aponta Gomes.
Segurança
O proprietário do CFC Celso, Celso Esperdião, também critica a mudança. Além de questionar a segurança às pessoas e à vida, menciona a lisura de todo o processo de obtenção das CNHs. “As possíveis fraudes no processo. No Rio Grande do Sul, hoje (o formato) é extremamente seguro e eficaz. Certamente nós iríamos caminhar para um caos no sistema como um todo”, pondera.
Esperdião acredita que o número de acidentes no Brasil, já elevado, aumentaria significativamente, “Imagina um modelo em que cada um vai aprender a seu modo, ou de acordo com os hábitos da pessoa que está ensinando, com seus costumes, estereótipos, agressividade, enfim”, observa.
Hoje, para obter a carteira de motorista nas categorias A (motos e triciclos) ou B (carros), o candidato precisa fazer um curso teórico de, pelo menos, 45 horas-aula, além de aulas práticas com pelo menos 20 horas-aula. Além disso, há exigência de taxas e três exames: Aptidão Física e Mental, Teórico-Técnico e Prática Veicular.
Modelos variam no mundo
A exigência de frequentar uma autoescola para a obtenção de CNH foi validada formalmente em 1997 a partir do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503). Durante o Código Nacional de Trânsito de 1966, não havia exigência formal de autoescola. Já o processo de habilitação e as normas relativas à aprendizagem para conduzir veículos automotores são regulamentadas pelo Contran.
Há outros países que adotam modelos que dispensam a obrigatoriedade de frequentar uma autoescola, como Argentina, Japão, Reino Unido, Suécia e Estados Unidos – onde as regras variam de acordo com o estado. Contudo, Ordeli Savedra Gomes chama a atenção para as dimensões do país, além do número de mortes, diante do contexto mundial. “O Brasil, hoje, com seus 213 milhões de habitantes, tem 125 milhões de veículos automotores”, observa. Para ele, se os números já são preocupantes, a tendência seria dobrar.
O especialista também destaca o fato de que pessoas cadastradas no CadÚnico já contam com a chamada CNH Social. Nela, a população de baixa renda tem direito a tirar a carteira, de forma gratuita, com as despesas pagas com o valor arrecadado de multas de trânsito. Sancionada recentemente pelo presidente da República, a novidade passará a valer a partir da próxima terça-feira, 12.
O Sindicato dos Centros de Habilitação de Condutores Auto e Moto Escola do Estado do Rio Grande do Sul (SindiCFC) avalia que a realidade anterior a 1997 era completamente diferente da atual. “Tínhamos uma frota muito menor e de veículos com menor potência, tradição de respeito no trânsito urbano. Hoje, o trânsito é intenso nas ruas, avenidas e estradas e os veículos são potentes e de alta tecnologia”, pondera o presidente da entidade, Vilnei Sessim. Para o dirigente, o valor aplicado é justo, mas pode ser revisto, começando pelas taxas públicas cobradas.
Nas ruas, valor da CHN é o problema
O Riovale Jornal foi ontem à 35ª Feira do Livro e 1ª Festa Literária Internacional de Santa Cruz do Sul para saber a opinião da população sobre a CNH sem autoescola. Para Pedro Helfer, de 20 anos, a mudança não é uma boa ideia. “Há muita gente na rua fazendo umas coisas que a gente pensa se não teve autoescola ou ensino. Então, acho que precisa manter, mas com mais cuidado. Talvez com um pouco mais de aula prática”, reflete.
Já a professora Thaís Iserhardt, 42, pontua a questão do custo, mas faz ressalva: “Sabemos que o valor da CNH está bem alto, porque pagamos taxas, aulas práticas e teóricas, e cada prova prática que reprova acaba pagando novamente. Mas penso que, tirando um professor que ensina da maneira correta, seguindo a legislação e as regras, pode talvez haver mais motoristas despreparados no trânsito”.
Fernando Maia, 35, também questiona o valor. “Eu, como tenho todas as habilitações, acho que é interessante manter as aulas práticas. Dependendo da categoria, nem tudo se aprende de ‘forma natural’. Mas acho que o custo da autoescola deveria ser mais acessível”, comenta. Na mesma linha de pensamento segue Mathias Rodrigues: “É uma garantia maior (a autoescola), só que acaba sendo muito cara. Com isso, muitas pessoas não têm carteira, mas sabem dirigir bem. Acho que seria bem melhor e faria com que mais gente tivesse acesso à carteira”.


















