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Ary Vidal, o gênio que viveu em Santa Cruz

Diego Dettenborn – [email protected]

A triste notícia da morte do técnico que acendeu a chama da paixão pelo esporte em Santa Cruz do Sul, chocou a todos os amantes do basquete não somente no estado, mas também em todo o país. Ary Vidal era carioca, no entanto foi em Santa Cruz do Sul que fez grandes amigos e conquistou títulos que nunca antes nenhum outro profissional havia conquistado. Aos 77 anos, Ary deixou uma legião de seguidores do seu estilo diferente e ousado de fazer esporte. Em solo santa-cruzense, muitos são aqueles que conviveram com o mestre do basquete, mas poucos puderam presenciar de tão perto o feito de 1994. Naquele ano, Santa Cruz do Sul era evidenciada para todo país e até mesmo o mundo. O Pitt/Corinthians sagrava-se campeão brasileiro de basquete, quebrando assim a hegemonia dos times do centro do país. No comando técnico daquela memorável equipe, estava o genioso Ary Vidal.
Atleta, gestor de eventos e técnico conhecido em todo o Sul, Alexandre Cruxen conviveu grande parte de seus dias no basquete com a figura de Ary Vidal. Ao lado do saudoso treinador, Cruxen conquistou entre outros, o título de maior valia para o esporte de Santa Cruz na história, o campeonato brasileiro de basquete, no ano de 1994. Cruxen afirma ter sido ele, Ary, um de seus maiores exemplos dentro do esporte, não somente como profissional, mas também como ser humano formador de opinião. “Participávamos de uma competição muito importante no Sul do país e na ocasião enfrentávamos o Londrina, no Paraná. O Ary detestava viajar de ônibus e ainda mais uma viagem como a que fizemos. Primeiro tempo terminou com vantagem nossa de dez pontos, no segundo tempo o juiz deu tudo que poderia dar para eles, complicou nosso jogo e o Londrina empatou. O Ary ficou indignado e de propósito foi para cima do juiz, fez de tudo para ser expulso e conseguiu. Ele sentou na arquibancada, acendeu um cigarro e ficou ali. Pouco a pouco modificou todo o time, colocou todos os reservas em quadra. Ele sentiu que os reservas estavam com muita vontade de jogar. Resultado: Ganhamos o jogo de mais de vinte pontos de diferença. No vestiário, ele parabenizou o time reserva, olhou para os titulares e disse: ‘Vocês a partir de hoje têm sombra aqui, tratem de treinar.’”

 


Divulgação


Técnico era admirado por muitos pelo seu comportamento dentro e fora de quadra

 

 

 

 

Diferenciado

Para Cruxen, Ary Vidal não era somente um bom profissional, era uma grande figura do basquete nacional e até internacional. “Ele não deixava as pessoas entrarem na zona de conforto. E era muito comprometido. Ele foi ser técnico de um time no Pará. Lá prepararam uma festa para ele de aniversário, mandaram fazer uma medalha pra ele, parabenizaram. Ele não foi campeão, ficou até janeiro e foi embora. Na saída foram pagá-lo, mas ele recusou o pagamento. Ele disse que não tinha sido campeão, tinha ficado apenas um pequeno período no clube e que eles tinham gasto o dinheiro do pagamento dele na festa que tinham oferecido a ele. Anos depois o diretor do Pará encontrou com ele no calçadão no Rio de Janeiro e ele estava usando a medalhinha que havia ganhado de presente. Ele tinha uma sensibilidade incrível.”
 

 

 

Arquivo Pessoal



Cruxen:  “Ele tinha uma sensibilidade incrível”

 

A convivência do repórter com o técnico

O santa-cruzense Sandro Viana formou-se na primeira turma de Jornalismo da Unisc. Apaixonado pela profissão, ingressou no Riovale Jornal no dia 22 de fevereiro de 1994. Mal sabia ele que naquele ano Santa Cruz do Sul estaria evidenciada no mundo todo pelo basquete. Na época, Sandro era também repórter da Rádio Santa Cruz. “Cheguei no Riovale Jornal no melhor momento do esporte local. Pra mim foi um presente poder acompanhar uma fase tão marcante na história do basquete. Na época, eu tinha começado também o curso de jornalismo na Unisc. Então, era tudo muito novo para mim.” Sandro ressalta a figura humana e o lado profissional de Ary Vidal: “Era uma pessoa incrível, ele trouxe uma outra realidade profissional dentro do esporte para Santa Cruz, uma maneira nova de encarar o basquete.”

Humor

Sandro Viana conta que a relação que mantinha com o técnico Ary Vidal sempre foi muito saudável e respeitosa. “Ele oscilava, tinha dias, como todo ser humano. Eu chegava no treino e logo percebia se ele estava de mau humor. Nos dias em que ele estava bem, que eram a maioria, ele me chamava pelo nome e pedia para que eu sentasse ao seu lado. Ficávamos ali, observando os atletas. Em uma das transmissões em que eu trabalhava, fui abordar o Ary no intervalo ao vivo na ida para o vestiário. Quando fiz a pergunta, ele, irritado pelo resultado negativo dentro de quadra até então, respondeu: ‘Não vou falar m… nenhuma nessa p…’ E foi isso que todo ouvinte escutou naquele momento.”
 

 

 


Carol Lau


Sandro: “Ele trouxe uma outra realidade profissional dentro do esporte para Santa Cruz”

 

 

 

Personalidade

Em meados dos anos 90 se instaurou a lei que obrigava o motociclista a utilizar equipamentos de proteção. Segundo Sandro, ele chegou ao treino do Corinthians com bloco de anotação, câmera fotográfica, caneta e ainda tirando o capacete, disse não ser confortável o uso, só atrapalhava. O técnico olhou para o repórter e com um tom de aviso, disse: “Quando o Estado age de forma com que o cidadão sinta-se protegido, é que ele está realmente cumprindo o seu dever.” Sandro finaliza: “Ele era realmente um cara diferenciado, um grande profissional, formador de opinião e um paizão.”

 

 

 

Histórico

No total, Vidal comandou o selecionado brasileiro em 121 jogos, com 92 vitórias e apenas 29 derrotas. Neste período, junto da histórica conquista em solo norte-americano, Ary levou o país sul-americano à medalha de bronze no Mundial das Filipinas, em 1978, foi campeão do Pré-Olímpico das Américas, realizado em 1988, no Uruguai, e subiu duas vezes ao lugar mais alto do pódio do Campeonato Sul-Americano, no Chile, em 1977, e na Colômbia, em 1985. Além disso, conquistou duas medalhas de bronze em outras edições de Jogos Pan-Americanos: San Juan 1979 e Mar del Plata 1995.
Além de trabalhar com a seleção masculina, Vidal também teve uma breve passagem entre as mulheres. Foram somente 11 jogos, com oito vitórias e três derrotas, mas o suficiente para levar Vidal e a meninas do Brasil ao título do Campeonato Sul-Americano, em 1965, disputado em território brasileiro.
Junto de seu brilhante trabalho com o time brasileiro, Ary Vidal deixou um vasto currículo de títulos entre os clubes que passou. Campeão brasileiro com o Corinthians de Santa Cruz, em 1994, o ex-técnico ainda acumulou passagens por Tijuca Tênis Clube, Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama, Clube do Remo, Minas Tênis Clube, Al Ahli (Arábia Saudita), Angra dos Reis/Verolme, EC Sírio, Juver (Espanha), Uberlândia e Sport Club Recife.


Divulgação


Equipe campeã de 1987, comandada pelo técnico Ary Vidal

O que dizem os jogadores campeões de 1987

OSCAR: “Mudou a história do basquete”

“O Ary Vidal sempre esteve do lado da gente, sempre. Nas horas boas e ruins. Ele sempre esteve do nosso lado dando confiança e dando uma palavra. Ele nunca se preocupou com o que os outros iam falar. Saber de basquete, muita gente sabe: muitos técnicos sabem de basquete, muitos jogadores sabem muito de basquete, muitos dirigentes, muitos jornalistas sabem de basquete.
Agora, ter a coragem, poucos têm. E o Ary Vidal tinha coragem: ‘Eu vou fazer o que tiver de ser feito e pronto. Que me mandem embora, mas eu vou fazer o que tem de ser feito’.”
 
GUERRINHA: “Ele olhava para onde ninguém olhava”

“O Ary era um técnico e uma pessoa muito inteligente, muito habilidoso para trabalhar com o grupo. Ele sabia lidar com as pessoas, dominava bem o ambiente e tinha uma facilidade muito grande de conversar, de passar as informações. Ele era um técnico, não um treinador: treinador é quem dá treino, ele comandava o time, são coisas diferentes.
Com o Ary, eu percebi que há vários caminhos para se chegar à vitória. Aprendi que não tinha só um jeito de jogar, isso me fez abrir muito os meus horizontes.”

ISRAEL: “Carismático e motivador”

“O Ary sempre foi muito aberto e divertido com os jogadores. Ele era muito carismático e sabia motivar o time. Tinha um jeito especial e carinhoso de tratar e falar, de tirar o máximo de cada um pela seleção.”

GERSON VICTALINO – “Ele viveu pelo basquete”

“Se você olhar a história do Ary, ele viveu pelo basquete. Ele foi de extrema importância na minha carreira. Convivi alguns anos com ele, que me ensinou muito. Principalmente o que é ter perseverança no basquetebol. Na seleção, ele nos colocava em uma situação de ter que sempre lutar.”