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Compreender

Um dos mais revigorantes meios de enfrentar a realidade, quando ela produz melancolia, é a sublimação entendida enquanto faculdade humana de criar algo de seu próprio gênero, seja por um saber teórico (pela filosofia, pela ciência, etc.) ou por uma representação simbólica e/ou significante (pela música, pela poesia, pela literatura etc.), sendo que ambos, a posteriori, irrompem no ser humano na forma de fruição estética ou na forma de compreensão teórica (às vezes, as duas simultaneamente).
Nesse sentido, entendo que a obra ‘Dissonante’ do jovem escritor vera-cruzense Nathan Ritzel dos Santos compreende um enfrentamento muito peculiar, pois além de sublimar um estado existencial sui generis de melancolia, num âmbito de fantasia e pulsão de morte, permite que o leitor também sublime significados e/ou teorizações metapsicológicas de resistência nos campos da moral e política, uma vez que, com sentidos metafóricos, remete ao confronto entre o individual e a formatação do social.
Sendo assim, a obra produz um mal-estar revitalizante e fecundo no quesito ‘criticidade’ – o que ocorreu comigo ao lê-la, pois meus pensamentos mantiveram-se página após página muito focados no problema da impossibilidade dialética entre uma consciência que exige a emancipação de si mesma, no terreno da autonomia, e uma realidade que exige sob seu domínio a condição de heteronomia das consciências.
Assim, entendo que a obra de Ritzel dos Santos é formada por um conjunto de palavras que transpiram muitos ditos sobre duas espécies heterogêneas em sua concepção e dissemelhantes em suas determinações; o resultado é a vontade de autonomia individual em confronto perpétuo com a realidade sistêmica (o que normalmente culmina na contenção da vida – simbolizada na obra), ou seja, a condição humana de insatisfação frente às realidades ideológicas exclusivas.
Aqui, contudo, poder-se-ia questionar: “Não seriam, então, os ditos de ‘Dissonante’ uma expressão de sucessão do seu conteúdo inicial de enfrentamento da realidade, o seu ponto de origem, e, nesse sentido, não colidiria no mesmo obstáculo melancolizante da ‘realidade que causa dor e sofrimento’?”. Não. Não há colisão que produz ainda mais melancolia, pois não se trata de um círculo vicioso de delírio melancólico. Trata-se, sim, de uma sublimação, de uma arte pulsional pela escrita. Mesmo que seu conteúdo retrate o seu ponto de origem (ou o seu mecanismo propulsor), o faz pelo viés da compreensão que revigora o estado de espírito do autor e mesmo do leitor atento, apaziguando o sofrimento psíquico, simbolizando-o e organizando-o numa direção criativa e construtiva.
A filósofa alemã Hannah Arendt afirma algo que nos ajuda melhor no entendimento desse processo, a saber: “Para mim, o importante é compreender. Para mim, escrever é uma questão de procurar essa compreensão, parte do processo de compreender (…)” (Compreender – Formação, exílio e totalitarismo. 2008, p. 33). Em outras palavras, a criação literária nos permite o confronto com o mundo, com nossas próprias angústias e, portanto, a compreensão sobre o condicionamento do próprio mundo e de nós mesmos.
Em vista disso, quero parabenizar o jovem escritor vera-cruzense pelos seus dizeres substanciais em ‘Dissonante’, os quais nos proporcionam a simbolização dos polos funcional e disfuncional da nossa própria condição humana, o transbordamento pulsional de nossos polos significantes de vida e de morte, de excesso da existência e de contenção dessa. Parabéns ao autor!