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O Charlie e eu

Meu filho quis ir ao show do Charlie Brown Jr., uma banda de punk-rock. Perguntei se eu poderia ir junto. Ele disse que sim, mas quando chegássemos no show, seria cada um para um lado. Iríamos nos separar. Entendi. É o tipo de show que papai não leva. Negócio fechado. Iríamos juntos, ele encontraria os amigos dele e eu ficaria na companhia de uma amigo meu, pai de um dos amigos dele, que também iria.
Solicitei a uma colega de trabalho (ela tem 21 anos) que me sugerisse uma roupa adequada ao show. Ela disse que se eu tivesse uma calça jeans rasgada e uma camiseta preta ficaria no clima. Eu disse: “- ok, mas não devo levar umas correntes no bolso para pendurar na roupa, se na hora eu julgar que o clima tá pra corrente?” Ela respondeu que não precisava. Quando cheguei em casa… putz! No próximo inverno vou doar uma calça boa para a campanha do agasalho. Jamais doarei as rasgadas.
Quando entrei no ginásio o show já havia começado. Um gordinho saracoteava no palco, às vezes numa perna só, girava e ia para lá e para cá. De chegada eu vi que ele usava um pano branco pendurado no bolso de trás da calça. Claro! Como eu pude não ter pensado nisso antes? Quando saí de casa minha cachorrinha poodle já estava dormindo, nem teria dado falta do paninho. Na minha frente um rapaz se sacudia freneticamente, a cabeça para frente e para trás num ritmo alucinante, e apenas um dos braços levantados e em sequências de flexões e extensões, muitas e rápidas sequências. Juro que em qualquer outro lugar eu faria o diagnóstico na hora: ataque epiléptico, e iria procurar nos bolsos dele algum medicamento para epilepsia ou alguma outra síndrome convulsiva. Quando olhei para os lados, muitos outros faziam os mesmos gestos. Convenci-me então de que aquilo era uma dança. A cabeça precisava agitar para frente e para trás alucinadamente, sendo o ritmo ideal aquele tão rápido, que ninguém notasse que aquele sujeito tinha cabeça.
Algumas moças estavam montadas no pescoço de rapazes, talvez para ver o show melhor. Só que elas dançavam no pescoço. Fiquei preocupado porque a qualquer momento eu corria o risco de uma moça pedir para subir no meu pescoço. E algumas estavam de mini-saia. Eu tinha que ter uma resposta pronta, para não passar por gay ou bundão. Nada contra gays ou bundões, mas não estava preparado para ser confundido naquela noite. Decorei uma frase: “- moça, tu és uma gracinha, mas hoje o tio tá com torcicolo no pescoço.” Estava decidido a repeti-la tantas vezes quantas fossem necessárias.
Em um dado momento o vocalista provocou uma competição. Quem estava do lado esquerdo deveria levantar o braço, depois faria o mesmo quem estava do lado direito. Fui ousado: levantei os dois braços. Foi quando ele anunciou: ganhou a galera do lado direito. Foi aquela gritaria. Fiquei orgulhoso. Já pensou se eu não tivesse levantado meus dois braços? Poderíamos ter perdido. Naquele momento meu nome era Orgulho. Na sequência ele deu “parabéns à galera do lado direito, que ganhou essa po…”. Era o que faltava para eu ficar na dúvida se deveria ter me orgulhado. Logo depois ele disse: “- vamo saí do chão nessa po… aí ó! E tira essas mão do bolso que eu to vendo”. Gelei. Pensei: foi para mim, ele me viu! Tirei rápido as mãos dos bolsos, mas me neguei a sacudir a cabeça alucinadamente. Depois o vocalista ordenou: “- quem é cientista aí levanta o braço”. Eu estava levantando o braço, quando vi que a metade do público levantava o braço junto comigo. Fiquei surpreso. Mas logo percebi que eu havia entendido errado. A ordem era outra: “- quem é surfista aí levanta o braço”. Baixei rápido o braço, antes que o brother do meu lado, usando peruca verde com cabelos espetados, perguntasse a marca da minha prancha de surf. Para eu responder esta pergunta eu teria que estudar sobre surf e pranchas, e isso é outra ciência. Naquela noite eu percebi o quanto sou um cientista incompleto. Quem disse que roqueiros não têm nada a nos ensinar?