Início Educação “O interesse do aluno precisa ser criado pelo professor”, diz Elenor Schneider

“O interesse do aluno precisa ser criado pelo professor”, diz Elenor Schneider

Docente com mais de 50 anos de magistério fala sobre os desafios da profissão nos dias atuais

Tiago Mairo Garcia
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O mestre que se dedicou à arte de ensinar. Aos 71 anos, o professor Elenor José Schneider curte a merecida aposentadoria após cumprir uma prestigiada carreira de 50 anos como docente. Caminhada marcada pelas dificuldades impostas pela vida e que foram superadas pela dedicação do então jovem de Cruzeiro do Sul na busca constante pelo conhecimento a ponto de se tornar uma das principais referências em educação de Santa Cruz e região. 

Elenor José Schneider. Fotos: Tiago Mairo Garcia

Em entrevista concedida na tarde da última terça, 13, na biblioteca de sua residência, localizada no bairro Faxinal Menino Deus, em Santa Cruz do Sul, Schneider lembra a escolha pela docência, a trajetória em sala de aula e comenta sobre a formação de novos professores, sua preocupação com um iminente desinteresse da juventude pela área, o atual momento da educação marcada pela reinvenção do ensino em razão da pandemia do coronavírus e destaca como vê o bom professor e o legado que a profissão deixou em sua vida.   

Riovale – Por que o senhor escolheu ser professor?

Elenor Schneider – Não foi uma escolha direta. Quando eu terminei o ensino médio, o meu grande objetivo era fazer jornalismo. Como as faculdades de jornalismo eram poucas no Rio Grande do Sul, sendo Porto Alegre e Santa Maria como opções, por uma questão de logística, eu morava em Cruzeiro do Sul e acabei vindo para Santa Cruz em função do serviço militar, aproveitei para fazer um curso de ensino superior. O meu projeto inicial era cursar história, mas ao parar em Venâncio Aires, encontrei um ex-professor meu que me incentivou a fazer letras. Eu tinha uma bagagem em letras muito sólida no ensino médio, tinha estudado latim, grego, francês, inglês, alemão e italiano e literatura. Em língua portuguesa eu era um pouco fraco, mas me virava. Com esse incentivo, decidi fazer letras. Passei no vestibular e mesmo com poucos recursos, vim para Santa Cruz para estudar. Comecei a me dedicar. Eu pensei assim. Estou fazendo letras, vou ser professor e então vou começar a estudar e comecei a me preparar para ser professor. Comecei a dar aulas particulares e fui aprendendo a ser professor. A primeira escola que trabalhei foi o Colégio Marista São Luís, em 1969, como professor substituto para a turma de concluintes do Ensino Médio. No ano seguinte, fui contratado pela escola. Trabalhei por 15 anos no São Luís. Atuei na rede estadual no Colégio Santa Cruz e Colégio Monte Alverne e fui o primeiro diretor da Escola Educar-se, em 1984. Quando eu estava no terceiro ano de letras, comecei a trabalhar no ensino superior muito jovem. Eu vivi o surgimento e crescimento da universidade. Na minha trajetória, como professor de letras, formamos uma geração de professores para toda a região, sendo aproximadamente três mil formados e quase todos foram exercer o magistério. Vejo o depoimento dos ex-alunos que são gratos pelo que a gente fez pela sua formação. A grande contribuição foi ter auxiliado na formação de professores de letras e outras áreas docentes.

RJ – Como o senhor vê hoje a formação docente?

Elenor – O curso normal está sofrendo o mesmo processo que as escolas do ensino médio sofrem há mais tempo. Por necessidade de sobrevivência, os currículos para formação de professores, as licenciaturas, vão sendo esfacelados. Tu tinhas uma boa formação em literatura, em letras, foi sofrendo diminuição de carga horária e conteúdos essenciais começam a ficar de lado. Faltam horas de formação e mais tempo de preparação e hoje o jovem não tem recurso e não tem tempo. O jovem tem que trabalhar o dia inteiro. Eu gostaria de ter um aluno que pudesse ter a condição de ler um livro por semana e hoje isso seria inviável. A qualificação acaba ficando de lado. Hoje há uma mudança. No meu tempo de curso superior, eu tinha poucos recursos e vivia miseravelmente, mas estudava. Hoje, a prioridade de muitos jovens é ter os bens primeiro, são outros valores que vão se sobrepondo à formação. Mesmo em uma universidade federal, que não precisa pagar e tem casa do estudante, a procura pelo magistério e cursos de licenciatura é baixo e não aparece ninguém interessado.

RJ – O que leva a esse desinteresse em atuar como professor?

Elenor – As políticas voltadas à educação são muito instáveis no país. Não existe uma política para a área como, por exemplo, o Governo Federal ter como meta principal formar professores e para isso investir recursos. Vamos cobrar do professor a boa formação e vamos pagar bons salários e queremos bons resultados. Infelizmente não existe isso. É tudo um discurso negativo, acho que hoje o professor ganha mal pelo papel que representa, mas muita gente ganha mal em várias outras áreas. Profissionais formados em outras áreas ganham menos que um professor e isso acontece há muito tempo. Outra coisa muito importante é o mercado de trabalho. O bom professor jamais vai ficar desempregado porque tem mercado, escolas, muitos alunos formados criaram a sua escola e vão bem. Tem um discurso pessimista que professor ganha mal, mas é uma questão que vem ocorrendo. Há muitos alunos que não querem ser professores porque veem greves o tempo todo e o discurso que está mal e difícil. Eles acabam se perguntando, o que eu vou fazer como professor? É uma fala que muita gente vai rebater, mas eu sei que ganha mal. Um professor de 20 horas ganhar R$ 2 mil para a função que exerce, é pouco, mas há outras muitas áreas em que a situação é difícil e não tem emprego. Vão criando uma imagem negativa de ser professor e acaba afetando a imagem da classe que reflete no interesse de novos profissionais.

RJ – Como o senhor vê o bom professor?

Elenor – O bom professor precisa ser um estudante. Conhecer aquilo que ele vai trabalhar, tem que se aprofundar e ter conhecimento na disciplina que ele escolher atuar. É preciso estudar e mergulhar naquilo que ele vai trabalhar em sala de aula e com certeza ele vai ter sucesso no trabalho. A educação não é só competência do professor, mas o aluno precisa ter participação. Um dia me perguntaram: “o que é uma boa aula?” Uma boa aula é ter o professor capacitado, preparado, com planejamento, disposto a ensinar, mas também depende do aluno que queira aprender. Não adianta de um lado ter alguém querendo ensinar e do outro lado não haver interesse e esperar que aconteça um milagre. Esse é um papel importante do professor, de dizer para o aluno porque é importante para ele estudar. É perceber e se antecipar sobre o que teu aluno vai enfrentar na vida lá fora.  É preciso ter conhecimento do conteúdo para saber resolver os problemas quando eles aparecem em sala de aula. É preciso ter satisfação de realizar o trabalho, de amar o que faz. Saber para quem tu estás falando. O professor precisa se colocar no lugar do aluno para ensinar o conteúdo de forma objetiva. O interesse do aluno precisa ser criado pelo professor. Saber para quem está ensinando e para onde vai levar o aluno. O bom professor precisa se dedicar, muitas vezes fora de hora e sempre dar retorno para o aluno sobre o conteúdo produzido, ter respeito ao trabalho do aluno e ajudar aqueles que precisam de auxílio. Ser professor é uma bênção.

Professor Elenor Schneider destaca convivência respeitosa com alunos

RJ – A pandemia fez a educação se reinventar. Como o senhor vê este atual momento que fez os professores se adaptarem ao ensino remoto?

Elenor – Os professores foram surpreendidos com esse problema. Nunca se pensou em trabalhar de forma remota. Vai trazer uma mudança muito grande na área da educação e acredito que a educação vai sair muito diferente. Cursos presenciais vão ser completamente revisados e isto deve trazer benefício de custos para o aluno. Acaba sendo preocupante como as universidades vão administrar essa situação com uma redução iminente de alunos em razão deste problema.

RJ – Qual o legado que a profissão deixou na sua vida?

Elenor – A história jamais se apaga e permanece. Eu tive milhares de alunos e o pouco de cada um que diz o quanto eu fui importante para o seu aprendizado. O exemplo bom que procurei passar, isso que fica. Deve ter gente que se magoou e muitas vezes os magoados não falam e muitas vezes, certamente, eu errei, “mas a maioria das lembranças que me restam é que eu construí a minha vida, com essa convivência humana e respeitosa que sempre tive com os alunos. Esse carinho eu carrego comigo para sempre.

RJ – Qual a mensagem que o senhor deixa aos professores?

Elenor – Digo aos professores que sejam persistentes, que levem com amor e carinho o seu trabalho. O professor tem uma função importante para a sociedade e cabe a ele a formação dos grandes profissionais da sociedade, desde a escolinha até o ensino superior. Todo professor é importante e fica na vida do aluno. O professor deve colocar isso no seu coração, de querer ficar na vida dos seus alunos. Para aqueles que têm dúvidas, digo que vale a pena ser professor por ser um trabalho extremamente compensador. Nunca se trabalha sozinho e sempre se vive em comunidade. Uma das coisas que sempre apreciei, os alunos renovam a gente o tempo todo. Todo março é um novo recomeço de vida e uma nova relação que se estabelece. Eu acho fantástico e que vai ficar na vida do professor. Vale a pena sempre ficar ao lado das boas lembranças.