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Precatórios x Penhora on-line

Entre os valores assegurados pela Constituição brasileira, logo no seu preâmbulo, figura o da igualdade. Na enumeração dos direitos e garantias fundamentais, a nossa Carta inclui “a inviolabilidade do direito à igualdade” (art. 5º, caput). Por sua vez, estabelece o Código de Processo Civil que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe assegurar às partes igualdade de tratamento” (art. 125, I). As “partes” abrangem não somente as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, os espólios, os condomínios etc., mas também a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 12), ou seja, as pessoas jurídicas de direito público.
Inobstante essas regras claríssimas, a incidência de outras regras constitucionais e legais torna o princípio da igualdade ineficaz, prevalecendo a desigualdade, a injustiça, a violência. Isso ocorre, sobretudo, quando o particular (pessoa física ou jurídica) defronta-se, em juízo, com a União, para discutir a legalidade e legitimidade dos créditos entre eles, ou seja, os créditos do particular contra a União ou os créditos deste contra o particular. Nesses casos, o tratamento é flagrante e injustamente desigual. O poder público reveste a forma de um gigante, enquanto o particular torna-se, diante dele, uma formiguinha.
No caso de crédito contra o ente público (p.e. a União), por este não reconhecido administrativamente, o particular é obrigado a ingressar em juízo e enfrentar o gigante, ao qual a lei assegura inúmeros privilégios processuais, acentuando as desigualdades. Se a formiguinha obtiver êxito na primeira instância, o gigante recorrerá, seguidamente, ao Tribunal Regional Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Finda a ação dez anos depois, procede-se à execução da decisão, com o cálculo do valor devido pelo gigante à formiguinha. Se o cálculo da formiguinha for acolhido por decisão do Juiz, o gigante voltará a interpor recursos. Quando chega ao final da parte final, o processo volta ao juiz, que envia uma requisição – o famoso precatório – ao Tribunal Regional, para o pagamento, na forma do art. 100 da Constituição. Se o crédito for de natureza alimentícia e a requisição for apresentada até o dia 1º de julho, o pagamento ocorrerá no exercício seguinte. Nos outros casos, a formiguinha terá de aguardar, pacientemente, que o Orçamento do ente público consigne o crédito suficiente. Geralmente, deixa o crédito para os seus descendentes.
Em três artigos: “A PEC do terceiro calote” (Jornal do Brasil de 15/10/09), “Calote imoral e inconstitucional” (Jornal do Brasil de 18/11/09) e “Precatórios: depois de três calotes, o confisco” (Jornal do Commercio de 7/12/11), protestamos contra os sucessivos calotes impostos aos credores de precatórios, sob a alegação de insuficiência de recursos, e registramos que “o Congresso Nacional tem contribuído para o desrespeito aos direitos dos credores, ao acrescentar, conforme Emendas 20/98, 20/02. 37/02 e 52/09, quatorze parágrafos ao art. 100 da Constituição, que, de modo claro e suficiente, disciplinava a matéria.” No ADCT, havia sido incluído, por pressão dos Estados, o art. 33, que parcelou em oito anos o pagamento dos precatórios então existentes. A Emenda nº 30/2000 prescreveu um novo parcelamento de dez anos (art. 78 do ADCT). E a Emenda nº 62/06 acrescentou ao ADCT o art. 97, com 18 parágrafos, 25 itens e 6 alíneas, que massacrou, de vez, os direitos dos credores e, violando o princípio da moralidade na Administração pública (art. 37), criou o imoralíssimo leilão do “quem aceita menos”, para coagir os credores mais necessitados a receber qualquer quantia.
Entretanto, quando o ente público é credor do particular, geralmente pela falta de pagamento de tributos, o gigante dispõe de um arsenal de instrumentos para obter, rápida e eficazmente, o seu crédito. Além dos diversos direitos e garantias assegurados pelo Código Tributário Nacional, o gigante dispõe de uma ação especial para a cobrança de seu crédito, a execução fiscal, na qual a formiguinha é citada para pagar o débito em cinco dias ou garantir a execução por meio de depósito em dinheiro ou oferecimento de bens à penhora. Como se tudo isso não bastasse, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 11.382/06, para introduzir, no Código de Processo Civil, o art. 655-A, a fim de criar a famigerada penhora on-line, pela qual o juiz, antes de qualquer julgamento sobre o mérito da cobrança, pode determinar ao sistema bancário, por meio eletrônico, a penhora do valor correspondente ao crédito do gigante.
O exagero da prática da penhora on-line tem criado imensos constrangimentos e prejuízos às formiguinhas. As eventuais disponibilidades bancárias destinam-se, no caso de pessoas físicas, à compra de alimentos e a pagamentos referentes a água, luz, gás, colégio, medicamentos etc., e, no caso das pessoas jurídicas, a pagamento dos salários dos empregados, contribuições sociais, produtos para revenda, insumos para o processo industrial e, até mesmo, impostos do exercício. Diante desse quadro e da ausência de uma decisão dos nossos Tribunais Superiores, declarando a inconstitucionalidade da penhora on-line, os contribuintes em geral, sobretudo as entidades da classe empresarial, devem desenvolver ações, junto aos três Poderes, no sentido de obter a extinção desse violento, injusto e inconstitucional procedimento processual.

*Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo