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A privatização da política

A ninguém é dado desprezar a limitação dos recursos públicos e o quão necessário é fazer um uso parcimonioso, racional e eficiente, orientado pelos princípios que regem as finanças públicas, por imperativo ético e por consciência das infindáveis demandas coletivas/sociais.

Estabelecidas estas bases, avanço para tratar de um fenômeno que poucos intelectuais têm debatido, denunciado e que passa ao largo da sociedade, não tão atenta à sofisticação com que ele é inoculado.

Tratam-se de estratégias e narrativas que instrumentalizam os valores acima referidos para atingir outra finalidade: privatizar a atividade política.

A plutocracia consiste na forma de governo onde o poder é exercido pela camada mais rica, concentrando na elite econômica o espaço decisório.

Ela pode ser exercida tanto diretamente pelos detentores do grande capital, quanto indiretamente, por indivíduos/grupos não integrantes dessa casta, mas que se propõem a fazer suas vontades, seja por necessidade de aceitação, seja por falta de consciência de classe, seja em busca de vantagens pessoais ou porque, ideologicamente, se imaginam pertencendo à elite.

É por essas frestas, não tão estreitas, que ingressa o financiamento privado das campanhas eleitorais, amarrando os financiados às pautas e interesses dos patrocinadores, os quais, em regra, não são os mesmos da maioria que os elegeu pelo voto popular.

Campanhas cada vez mais caras, midiáticas, artificiais são o combustível para que a relação de dependência se perpetue e intensifique.

A privatização do patrimônio público, o aniquilamento dos direitos sociais, o apequenamento do Estado, são apenas algumas das faces visíveis e decorrências dessa lógica instituída, aprofundando a desigualdade social, freando a mobilidade e acentuando a pobreza, a miséria, a fome e a morte nas camadas mais vulneráveis.

Por óbvio, todos os setores têm direito de serem representados e podem influir nas estruturas de poder; a elite econômica também, é legítimo. No entanto, não de forma hegemônica ou prevalente.

A democracia tem seu custo, um custo que deve ser pago. Monetarizá-lo ou mercantilizar o processo democrático interessa tão somente aos privilegiados desde sempre.

A própria “purificação” das campanhas eleitorais, as crescentes restrições para propaganda de rua, a criminalização da política, a introjeção da ideia de política como algo naturalmente sujo, impuro, da qual devemos manter distância, são articulações que fazem parte de um projeto muito maior do que transparece.

Soma-se a polêmica criada em torno do fundo eleitoral público. A completa desconsideração do papel fundamental que ele cumpre, abrindo caminho para que candidatos e grupos populares sem ou com pouco recurso financeiro possam participar do certame de disputa e compor os Poderes Executivo e Legislativo, materializando, então, o caráter representativo (de todos os espectros) da democracia.

Alijá-los do auxílio financeiro público significa que não terão chances reais de enfrentar o baronato no processo eleitoral e teremos, então, mais uma porta a se fechar para as lutas da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, das gestas identitárias e das minorias.

A pregação do exercício gratuito do mandato popular e a redução, para além do razoável, de assessorias parlamentares é outra forma encontrada para entregar a exclusividade da política a quem tenha recursos próprios ou é financiado, inviabilizando aos que não têm essas possibilidades a participação no Legislativo, sobretudo.

A democracia é para todos, não tem dono, não pode ter aparência, constituir-se num arremedo, em mera formalidade.

Democracia deve ser viabilizada materialmente a todos.