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Ainda resta esperança para classe artística

Após um ano e meio de pandemia, músicos locais buscam alternativas para sobreviver na profissão

Diego Dettenborn

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E De repente as luzes não ligaram mais, o ônibus da banda parou e os finais de semana não foram mais os mesmos. Após quase um ano e meio de pandemia, músicos e trabalhadores da arte ainda buscam uma forma de contornar os efeitos que a pandemia causou. Shows e apresentações com casa lotada, baladas e eventos que empilhavam pessoas ainda estão longe de ser realidade neste “novo normal”. O que resta para a categoria é adaptar-se ou partir para outra profissão, apenas sobreviver ou reinventar-se. De tantas incertezas uma afirmação é legítima: a música tem se tornado refúgio e amparo para uma sociedade que convive diariamente com o medo, o caos e a insegurança que as novas rotinas pós covid-19 instauraram. Porém, a circunstância atual aponta um verdadeiro emaranhado de boas expectativas, esperança e incerteza para a classe artística. Resta aos músicos aguardar por dias melhores, buscando atualização dentro de novas possibilidades ou simplesmente mudando o rumo, apostando em uma nova profissão ou uma nova experiência.

Durante a semana a música era rotina, ensaios em dia, instrumentos revisados e o ônibus estava pronto para já na sexta-feira viajar rumo aos quatro cantos do Estado. Era dessa forma que se resumia o dia a dia do músico santa-cruzense, Marcel Knak, 33 anos, 21 deles dedicados á música. Segundo Knak, embora as circunstâncias, a expectativa é a melhor possível, “as restrições vieram como um baque para nós, músicos. Tivemos uma parada total e isso já a um ano e meio. Ao mesmo tempo que a receita diminuiu e o dinheiro parou de entrar, nossas contas não pararam, não tivemos descontos, então ficou muito complicado. Tivemos que nos virar, dar um jeito. Como tem acontecido em outros países em competições de futebol por exemplo, espero que logo possamos ter público em nossos eventos”.

Marcel Knak: “Quando falamos em música ou na arte em sí, estamos falando também em saúde pública”
FOTO:Arquivo Pessoal

“Tocava pra 400, 500, 600 pessoas, hoje o show é para 10, 20, 30”.

Knak é um dos artistas locais com mais apresentações na região quando o assunto é bailes e festas privadas, sem deixar de lado também baladas e pubs. Personagem  requisitado em casamentos, aniversários e feiras, em 2021 ele reinventou toda a forma de apresentação, “Reduzi a equipe, que antes era composta de mais de 10 pessoas. Agora toco em eventos menores, nas casas das pessoas, em sítios, fazendas, com público menor, da forma com que é permitido. Tocava para 400, 500, 600 pessoas, hoje o show é para 10, 20, 30”. Ele ainda finaliza, “cheguei a tocar em um casamento na Praia do Rosa, em Santa Catarina, para 30 pessoas, proporcionalmente os valores mudaram também, hoje em dia não consigo arrecadar nem a metade do valor que entrava antes, então preciso tocar mais vezes pra tentar chegar perto do que recebia”. O músico deixa sua mensagem, lembrando a importância da arte no cotidiano das pessoas, “quando falamos em música ou na arte em sí, estamos falando também em saúde pública, em entretenimento e acesso à cultura  como forma de prevenção inclusive”.

Criatividade para vencer os desafios

Sinônimo de alegria e descontração foi em março de 2020 que a Banda Magia Musical realizou sua última grande apresentação, no melhor estilo “Bailão”. Naquele domingo, nenhum integrante do grupo imaginava a dimensão do desafio que viria pela frente. Um dos líderes da Magia, Ricardo Etges (voz, violão e gaita, na banda desde 2007) destaca o momento e reitera o desejo por uma flexibilização mais ampla, “acho que no patamar de vacinação que estamos já poderíamos ter um pouco mais de flexibilidade. Ter dois músicos no palco torna inviável para nós das bandas seguirmos um projeto. Um restaurante tem na cozinha no mínimo cinco, seis pessoas trabalhando, nas bandas não é diferente, todo mundo se conhece e tem a grandeza de saber e respeitar a ideia de que o vírus existe e é letal. Neste sentido, todos nós deveríamos estar trabalhando, com respeito um ao outro e muito cuidado, mas na ativa”.

Ricardo Etges, vocalista da Banda Magia Musical: “Somos abordados na rua pelas pessoas que esperam o retorno das festas”

A criatividade tem sido aliada dos músicos da região. Etges utiliza o dom e o talento com a música e a comunicação ainda em outras duas atividades (rádio e instituição filantrópica), que complementam a renda, em tempos de parada obrigatória nas apresentações musicais. Enquanto o retorno não é confirmado, o artista de 35 anos, que trabalha com música desde os 14, ressalta o sentimento de esperança e de expectativa positiva, “já enxergamos uma luz no fim do túnel, ainda nada 100% palpável, mas o futuro vai passar pela fila da vacina. Estamos mais próximos dessa volta e confiantes”.  A Banda Magia realizava cerca de 150 apresentações por ano, entre eventos privados, quermesses, bailes e shows em feiras e festas de comunidade, sendo sinônimo de alegria e diversão para os fãs e amigos. “Somos abordados na rua pelas pessoas dizendo que estão sem saber mais o que fazer, estressadas e esperando pelo retorno das festas. Eles começavam a semana a mil, pois tinham no final de semana participado de uma festa, um momento de descontração. No fim das contas estamos falando inclusive da saúde das pessoas, éramos a válvula de escape do público. Torcemos para estarmos o quanto antes nos palcos, com a banda toda, fazendo nosso trabalho e levando música e alegria para a turma”.

Decreto e Aldir Blanc

Em Santa Cruz do Sul o Decreto de Calamidade Pública referente à Pandemia dá conta atualmente de prazo para fechamento, restrições quanto à permanência em pé no estabelecimento, lotação máxima de acordo com o tamanho do local e quantidade de músicos em apresentação estipulada, que, por exemplo, no momento permite apresentação de até dois músicos, vedada a música alta que prejudique a comunicação entre os clientes. Com as constantes restrições, e as incertezas da profissão, em Santa Cruz do Sul parte dos artistas buscou ajuda financeira através de projetos. É o que conta Marcelo Corá, responsável pela Secretaria Municipal de Cultura em Santa Cruz do Sul, “tivemos um bom número de músicos que receberam auxílio emergencial de alguma forma (Lei Aldir Blanc, Edital próprio e projetos), sendo um total de 80 pessoas diretamente beneficiadas com recurso”. Corá ainda manifesta sua expectativa de acordo com as possibilidades futuras, “nossa expectativa é muito boa, com o avanço da vacinação veremos muitas ações culturais e uma continuidade de eventos, pois o público está saudoso e a classe artística pronta pra entrar em cena”.