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Biografias não-autorizadas têm mais sabor

Antigamente era comum a imagem daquela senhora com lenço na cabeça, debruçada com metade do corpo de fora, com o olho na vida alheia, principalmente na dos vizinhos. Hoje elas ainda existem, afinal o mundo não é só digital. Em comum tanto as rápidas notícias da net quanto a língua desossada da vizinha da janela são a da notícia que se apresenta antes mesmo de ser analisada. O risco é alto para os blogueiros que precisam verificar em minutos se aquilo que se conta é furo ou um furo n’água.
Em comum tem também o sabor do proibido. A vizinha da janela tem as últimas daquela sobrinha do dono da padaria, que só voltou da noitada com o dia claro, na companhia de você sabe quem… ora, você sabe!
No mercado editorial, o gênero biografia é um arrasa-quarteirão, atingindo números polpudos de vendas. Tanto pelas nossas bandas, como lá fora.
As biografias podem ser autorizadas: aquelas em que o biografado ou a família tem contato direto com o autor. Podem ser também narradas pelo próprio: quando este tem vocação para a escrita. E podem ser não-autorizadas: que significa um distanciamento maior do autor com o nome da obra.
Algumas biografias ficaram famosas por trazerem, além da vida do biografado, as queixas do próprio ou de seus familiares e herdeiros.
A mais famosa foi aquela sobre o Garrincha, “Estrela Solitária”, da Ed. Cia. das Letras, escrita pelo craque Ruy Castro. As dez filhas do mais famoso cidadão de Pau Grande se indignaram de ver revelado o vício do álcool nas páginas da biografia do pai. O livro foi embargado por quase dez anos e a família perdeu o processo. Outro, mais recente, foi a do cantor Roberto Carlos, de Paulo Cezar de Araújo (Ed. Planeta). Neste caso, cantou mais alto o poder de intimidação do ilustre alvo da obra – o autor foi prejudicado ficando sem o seu livro, tão elogiado pelos leitores.
E eis que, no finalzinho de 2011, volta à pauta o assunto liberdade de imprensa. A Sociedade Esportiva Palmeiras torce o nariz para uma biografia não-autorizada de seu mais ilustre atleta das duas últimas décadas.
Se baseando na política de marcas e patentes do clube, disse ter poder sobre qualquer manifestação em torno do goleiro Marcos e de outros nomes do seu feudo.
A celeuma foi criada. Torcedores e a crítica não se alinharam com o clube. Juridicamente foi dito que isto é um modelo de censura, e pessoas públicas podem sim ser pesquisadas e publicadas, desde que respeitando parâmetros de pesquisa e bom jornalismo, que sobram ao palmeirense Celso de Campos Jr., autor da biografia de Adoniran Barbosa, também concebida de maneira independente.
Para terminar os casos de polêmica, uma que foi resolvida fora dos tribunais.
Em 2008, Fernando Morais publicou a história de Paulo Coelho. “O Mago” (Ed. Planeta), só foi lido pelo biografado com a tiragem concluída e distribuída, condições impostas pelo jornalista aos seus personagens. Pois bem, Paulo Coelho não gostou de passagens e, segundo Morais, ficou sem falar com ele por alguns meses.
Deve ser difícil se deparar com a própria história narrada. Quem mandou ser um notável?
Sem dúvida as não-autorizadas têm mais sabor: esse distanciamento é muito confortável para os biógrafos, e um tempero para os leitores.

*Livreiro, editor do livro “São Marcos de Palestra Itália”