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Educação domiciliar não é direito

A quantidade de interessados é pequena, coisa de menos de 1% de pais que têm dinheiro para isso, mas o tema merece reflexão. Seria a “educação domiciliar” um direito das famílias? Haveria amparo legal, ético e pedagógico para a reivindicação de educar os filhos em casa, longe da escola? O fato é que algumas famílias brasileiras estão reivindicando esse suposto direito. Existe até uma Associação Nacional de Educação Domiciliar –Aned. 
O tema foi objeto de uma dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisc. Passo a relatar as principais constatações e conclusões da aluna Aline Busch. 
As justificativas declaradas pelos defensores da educação domiciliar costumam ser o despreparo dos professores, a baixa qualidade da educação, a violência e os problemas das escolas. Explicitamente ou não, trata-se de uma tentativa dos familiares de afastar as crianças e adolescentes de conflitos, problemas e visões diferentes. 
A Constituição estabelece que a educação é dever da família, do Estado e da sociedade. Não é uma prioridade exclusiva do Estado, nem da família. Educação na perspectiva constitucional é bem mais ampla que estudar conteúdos em livros, online e outros meios, acompanhado pelos familiares. Educação não é só apreender conteúdos. É um processo que engloba o desenvolvimento pessoal e moral adquirido no convívio com pessoas diferentes e em diferentes situações.
Em que pesem os problemas de muitas escolas, o ambiente escolar apresenta variados aspectos que favorecem o desenvolvimento da personalidade, do senso ético e da intersubjetividade. A escola é um ambiente de socialização, de conflitos e de diálogo, aspectos fundamentais à formação para a cidadania, o trabalho, a vida nas complexas sociedades contemporâneas.
O direito constitucional à educação inclui necessariamente o direito da criança ter uma boa escola. Não se trata simplesmente do direito dos pais proporcionarem a educação que entenderem melhor para seus filhos. O Conselho Nacional de Educação, ao analisar o tema, decidiu contrariamente à causa da educação domiciliar. Considerou especialmente dois dispositivos legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação: a igualdade de todos no acesso à “educação plena”, a qual envolve a conjugação de esforços da família, Estado e sociedade; e o dever dos pais matricular as crianças no ensino fundamental.
Além disso, a escola está integrada a um amplo sistema de proteção à criança e adolescente, que inclui a família, Conselho Tutelar, Defensoria Pública, órgãos de segurança, Ministério Público e Poder Judiciário. Por vezes, a escola tem o importante papel de defender a criança da sua própria família, como nos casos de abuso infantil.
A conclusão apresentada na dissertação é meridiana: as razões alegadas pelos pais não embasam um direito à educação domiciliar. O direito de todos à educação incluia educação escolar. Assino integralmente essa conclusão. A solução frente aos problemas das escolas e lutar para melhorar as escolas, não afastar delas nossas crianças e jovens. É na escola que se forma o senso de pessoa e de comunidade, a noção de cidadania e se desenvolve a ética da intersubjetividade.