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Glória e ego, conhecimento e sabedoria

Incentivado por seus pais, um garoto começou a praticar judô aos 4 anos. Tendo gostado, aos 10 anos matriculou-se, por vontade própria, também no caratê. Aos 14 começou jiu-jitsu e kung-fu. Aos 19 foi fazer faculdade nos Estados Unidos, e continuava treinando por hobby. Lá começou a namorar uma modelo. Ela iria passar três meses trabalhando no Japão e ele resolveu ir junto para treinar e aprimorar suas técnicas no oriente, o berço das artes marciais. Chegando lá foi até uma academia tradicional, onde passou três meses treinando seis horas por dia. Na volta, ao despedir-se, o mestre da academia lhe disse que, se um dia quisesse voltar, as portas estariam sempre abertas a ele. Foi terminar a faculdade nos Estados Unidos. Quando recém-formado, mesmo com pouco dinheiro quis voltar ao Japão. Falou com o mestre japonês, que conseguiu um visto cultural. Lá treinava sete horas por dia, sete dias por semana. Fazia todo tipo de serviço na academia, não em troca de salário, mas de ensinamentos. Quando foi tentar conseguir sua primeira faixa preta, executou toda a parte técnica com perfeição, mas foi reprovado. Sem entender, perguntou ao mestre o que havia acontecido. O mestre respondeu: “- Além de saber a técnica, você precisa também saber dominar o ego”. Passou mais três meses treinando e recebeu a primeira graduação. Passado um tempo, ele revelou o que havia aprendido na reprovação: “- Aprendi a razão pela qual eu deveria lutar: o conhecimento, e não a glória das conquistas”.
 A história contada acima não é uma ficção. É uma história real, aconteceu com Rick Kowarick, um brasileiro. É muito frequente vermos pessoas que lutam mais pela glória das conquistas do que pelo conhecimento. Se você é uma dessas pessoas que se vangloria, que se sente a última coca-cola do deserto, se acha o cara a todo o momento, o que, afinal, você fez assim de tão grandioso? Por acaso foi noticiado no The New York Times, no jornal Le Monde ou na revista Time? Se seus feitos são realmente maravilhosos, que bom para você, especialmente porque nesse caso você seria a última pessoa a sentir-se tão especial por isso. A trajetória que leva ao real sucesso, o sucesso merecido, é um caminho que nos ensina a nos despirmos da vaidade inadequadamente exacerbada. Não se trata de subestimar a autoestima ou negar a importância de uma autoimagem positiva. As dificuldades da ascensão e a vivência com os desafios naturais de uma grande escalada elevam nossos sonhos, e nos ensinam a priorizar o conhecimento e a sabedoria, colocando esses valores muito acima do objetivo de ser celebridade. Por outro lado, quanto mais nos elevamos, mais cresce a consciência da nossa posição diante da infinitude do que envolve as palavras saber e ser.
Eu jamais usaria este espaço para desestimular alguém a seguir sua trilha em busca da glória. Mas considero importante o conhecimento de que possíveis sentimentos de falsa grandeza podem indicar, ao contrário do que muitos pensam, que ainda não estamos onde nos propusemos chegar. É natural uma fase de deslumbramento, a descoberta de novos horizontes até então desconhecidos, como quando uma criança começa a descobrir o mundo. Neste caso é importante colocar os pés no chão, e isso se faz mais fácil pelo autoconhecimento. Em geral isso é mais bem facilitado por um mediador como um terapeuta (psicólogo ou psiquiatra), por exercícios de elevada meditação (se possível orientada) ou, como no caso do lutador de artes marciais da história citada, por um mestre na plenitude do termo.
Rick Kowarick voltou novamente ao Japão depois de um tempo, e aumentou sua graduação. Hoje tem cinco faixas pretas e é o samurai mais graduado do Brasil. Ganhou os direitos de representar no Brasil a escola do seu mestre do Japão. Isso não aconteceu antes dele aprender a colocar o conhecimento e a sabedoria acima da glória e do ego. Onde você coloca os seus?