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Nordeste: muito além dos preconceitos

Tive na semana passada uma experiência muito gratificante: ministrei aulas na cidade de Crato, no Vale do Cariri, sul do Ceará, a professores da Universidade Regional do Cariri e de outras instituições da região, dentro das atividades do Mestrado Interinstitucional de Direito Unisc-Urca. Foi uma oportunidade para conhecer uma parte do Nordeste de que tinha notícia pelos livros e pelos meios de comunicação.
Presenciar é diferente de conhecer à distância. Vários conceitos e pré-conceitos se desmancham no contato direto com as pessoas e com o ambiente. Por exemplo: a seca não é um fenômeno que atinge todo o Nordeste. O Vale do Cariri não conhece a seca característica do sertão, distante cerca de 150 km. No Cariri, a chuva se concentra em três meses (janeiro a março), mas as condições do ambiente mantêm a vegetação verde e há água suficiente ao longo de todo o ano.
A pobreza generalizada é outro mito que se desfaz no contato direto. Há, sim, um grau significativo de pobreza, mas não se trata de um fenômeno geral. Há uma classe média robusta, com casas refinadas, carros de qualidade e compradora de produtos de marca, além de uma elite econômica influente, vinculada em parte às famílias dos antigos coronéis. Não vi crianças pedindo esmolas nas ruas e os bairros pobres são parecidos com os nossos. 
Percebe-se um processo inédito de melhorias sociais na região desde o governo de Lula, que se deve em parte ao programa bolsa-família, segundo ouvi de simpatizantes e de não-simpatizantes de Lula-Dilma. O bolsa-família vem ajudando a mudar o rosto da pobreza na região. Em décadas anteriores, quando a fome apertava, eram comuns as invasões de supermercados pelos famintos; hoje isso já não acontece. Outra expressão da mudança é o padrão das casas dos pobres: as tradicionais paredes de barro e madeira, que favoreciam a proliferação da transmissor da doença de chagas, estão sendo substituídas por casas de alvenaria simples. Moradias melhores significa menos doenças.
As mudanças sociais e econômicas, todavia, vão bem além do bolsa-família: está em curso um forte processo de crescimento econômico na região, especialmente em Juazeiro do Norte, cidade que já ultrapassa os 300 mil habitantes. Novas empresas se instalam, há oportunidades de emprego, o comércio é amplo e várias instituições privadas de educação superior criaram um amplo leque de cursos nos últimos anos. 
Um fenômeno religioso de grande envergadura tem reflexo direto no crescimento econômico. Juazeiro do Norte é a terra do Padre Cícero, uma figura lendária no Nordeste, reverenciado especialmente pelas populações pobres por seus milagres e graças. Estima-se que cerca de três milhões de romeiros acorrem todos os anos a Juazeiro, provenientes de diversos estados. Esse impressionante fluxo de romeiros traz recursos econômicos consideráveis e é também responsável pelo aumento populacional, pois a cada romaria um conjunto de famílias “de fora” permanece na cidade. 
No Vale do Cariri, o contato com a realidade desmente os preconceitos ainda comuns contra os nordestinos. E é só um exemplo. Há muitos outros.