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Nunca haverá nada mais bonito do que as mãos de meu pai…

Então ele partiu. Seu rosto era de quem se deixava ficar, mas seu corpo se ia, apequenava-se na estrada. Quando o mundo chama, as chamas se acendem por dentro e só deixam de queimar quando voltamos para casa. Ah, as casas! Dizem que elas não ficam. Elas nos vão morando nas entranhas até que, de volta, resolvemos inverter as interioridades.

Assim eram todos os dias. Meu pai só se demorava à noite, o dia o devorava e a luz natural não sabia nada de sua pele. O velho patrão não queria saber se a tal de vitamina “A” desenvolvia-se quando entrávamos em contato com alguma brecha de raio solar. Não, ele (o mundo moderno) não se importava com engrenagens substituíveis, com filhos alheios e muito menos com lares descarregados de pais. O mundo só queria saber de funcionar para ele mesmo e de como lucraria ainda mais com essa geração tão órfã de figuras paternas.

Um rosto era tudo que eu podia ver na escuridão de uma lâmpada acesa. Ele se perdia em olheiras que carregavam olhos cansados e tristes. Os lábios acompanhavam braços pesados e que tentavam sorrir quando me puxavam para um beijo. Era tudo.

Em uma tardinha resolvi dar ouvidos ao que diziam as mãos desse homem noturno. Peguei-as enquanto esperávamos o jantar. Percebi então, sob o olhar caloroso dele, rugas divididas entre veias grossas e ossos que articulavam os dedos de um homem magro. Ao virá-las, notei que as linhas não se alinhavam mais, perdiam-se em calos e sujeiras incapazes de serem limpas. A grossura delas não podia ser medida, nem parecia pertencer aos mesmos olhos doces que acompanham minha expedição. A criança que havia em mim ainda não sabia entender tanta judiação. Eu não entendia que aquelas mãos eram as que me traziam infância, e que seu dono, sorrindo, sempre encontrava um tempinho para fabricar um e outro brinquedo ao meu comando. Ainda as sinto revirando meus cabelos quando chegavam para noturnar conosco. Ah, as mãos! Elas deveriam ter vozes mais claras ao invés de ficarem atemporando lembranças em um silêncio que só sei entender hoje.

Enfim, adulto, percebo o tempo pesando, empurrando seus dedos dormentes e unindo palmas para, ainda, fazerem orações preocupadas para mim. Aquelas mãos até hoje me fazem bem e o que sou leva-me a pensar que, por elas, tenho que continuar a fazer mais, mesmo sabendo que nunca haverá nada mais bonito do que as mãos de meu pai.