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O valor do risco

Não sou mais rapaz, mas também não sirvo pra dinossauro. Vivi na década de 1970, e ainda lembro de algumas coisas desse tempo. Naquele tempo o universo musical era muito diferente do que é hoje. Quando se falava em música, por exemplo, nada de mp3, IPod, DVD, Pendrive. Lembro dos LPs (long plays), dos Compactos, que eram discos compactos em vinil, menores que os LPs. Creio que vem daí o nome dos hoje chamados CDs (sigla em inglês do termo Disco Compacto). Lembro que quando havia algum risco no vinil, aquela parte da música se repetia seguidas vezes.
Nos anos 70 as gravadoras eram impérios no mundo artístico-cultural e no dos negócios. As duas maiores gravadoras eram a CBS (hoje Sony) e a RCA. As duas pegavam pesado na disputa pelo mercado do setor musical. Uma espionava o que a outra estava fazendo e tentava sair na frente. Eu era muito jovem na época e não lembro detalhes, mas andei lendo algumas coisas há menos tempo. Naquela década a RCA fez uma pesquisa global e detectou que havia uma nova classe B consumidora que tinha vindo da classe C (o que, passadas algumas décadas, ocorre hoje no Brasil). Os executivos e os caça-talentos da RCA saíram em busca de um cantor latino para lançar mundialmente e atender esse público. Essa informação vazou e, em represália, a Sony também saiu em busca de sua estrela latina. A Sony encontrou um cara na Espanha e a RCA encontrou outro, sabe onde? No Brasil. O espanhol era filho de uma boa família, e já era conhecido em seu país como cantor. O artista descoberto pela RCA no Brasil era filho de um diplomata, e já fazia sucesso como cantor no país e América Latina. Era um bonitão boa pinta, estilo galã. A gravadora propôs contratá-lo com uma estratégia de lançamento mundial. Um projeto irrecusável. Investiram no lançamento simultâneo em vários países. O agente do cantor brasileiro era muito respeitado, o mais importante empresário do meio musical daquela época (na época o mesmo do Roberto Carlos e Elis Regina). Ele disse “- Não vamos aceitar o projeto da RCA, você está indo muito bem da forma como está”, e começou a negociar seu passe com outra gravadora, a Ariola, que colocaria o dinheiro na mão na hora, enquanto o dinheiro da RCA viria em etapas no início. Sabendo disso, os executivos americanos da RCA ofereceram de tudo: uma casa numa praia da Flórida com um barco ancorado na marina da casa, três carros a escolher, passagens da Florida a São Paulo para duas pessoas em primeira classe, etc. O empresário do cantor o convenceu a recusar a proposta.
Você já ouviu falar de Julio Iglesias? E de Ronnie Von já ouviu falar? Pois Julio Iglesias é o cantor espanhol garimpado pela CBS (hoje Sony) para o projeto de sucesso internacional. Ronnie Von é o cantor brasileiro que optou por não arriscar uma carreira internacional. Você deve estar se perguntando que tipo de música Ronnie Von canta hoje, por onde ele anda. Pois ele não anda, pelo menos não no meio artístico. Ele parou de cantar.
Às vezes a vida nos coloca em uma bifurcação de caminhos, e precisamos optar por onde seguir. A nossa opção vai impactar em tudo o que está por vir. É preciso avaliar bem os prós e os contras, ter clareza e coragem, e sobretudo saber distinguir os prós e contras reais dos imaginários. Para isso é preciso contar com a família e bons amigos, e não com falsos heróis. A vida costuma premiar quem trabalha pelos seus sonhos, e a grandeza dos sonhos depende de cada um. Muitos pensam que voar é um risco, e esquecem que não voar também pode ser. Uma grande vida é diferente de pedaços de vida que se repetem, que se repetem, que se repetem… como num risco num disco de vinil.