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Os alemães são alienados por gostar de futebol?

A conquista do título da Copa 2014 pela seleção alemã vem sendo muito comemorada na Alemanha. Em torno de 400 mil alemães foram às ruas esperar a chegada dos atletas. A TV mostrou cenas de entusiasmo e euforia da multidão.
Cena semelhante aconteceu na França após a conquista do título mundial de 1998, na competição realizada em solo francês. Mais de um milhão de torcedores lotaram a Avenida ChampsÉlysées e dançaram a noite toda.
Nos Estados Unidos, o basquete, entre outros esportes, mobiliza multidões. O título da NBA do ano passado levou centenas de milhares de torcedores às ruas de Boston e os torcedores desfilaram em carros abertos. Em outros países, o fenômeno se repete com outros esportes.
O interessante é que até agora não se viu nenhuma matéria na imprensa tratando da alienação dos alemães por conta da sua paixão pelo futebol, assim como não se viu no caso dos franceses, dos norte-americanos e de outros países desenvolvidos. No Brasil, todavia, ainda é comum que se associe o esporte ao “escapismo” e à falsa consciência sobre a realidade.
Então cabe a pergunta: o apreço pelo futebol e pelo esporte é ou não alienante? Seria alienante somente em países não desenvolvidos, ao passo que nos países desenvolvidos seria tão somente um traço cultural?
Tal raciocínio não se sustenta. A associação entre esporte e alienação (ou escapismo) deve ser repensada para evitar que em nome de um suposto espírito crítico se reproduzam preconceitos históricos sobre o nosso povo.
O esporte está relacionado a uma das dimensões essenciais do ser humano: o lúdico. O ser humano integral é um ser que brinca, se diverte, dança, vai a jogos e participa de outras formas de diversão. O lazer e a diversão são tão fundamentais para a felicidade humana quanto outras necessidades básicas, como o afeto, o reconhecimento, o sentido, a senso de estabilidade.
O reconhecimento do lúdico choca-se com certas concepções tradicionais sobre a vida humana, exageradamente focadas no econômico e nos valores materiais. Concepções pobres em termos de ideal de vida, porque acolhem a ideia de que trabalhar e ter bens é o mais importante na nossa vida.
A evolução da tecnologia criou os meios para que o trabalho ocupe um tempo cada vez menor na vida humana, permitindo que possamos nos dedicar mais à cultura, à arte, à ciência, à diversão, ao cultivo da espiritualidade. O capitalismo tem impedido que isso se concretize, mas os meios existem. Mudar nossa visão de mundo, nossos valores, é um passo necessário para transformarmos a sociedade.
Voltando ao início: a paixão pelo futebol não torna alienados os alemães, franceses, brasileiros. Podemos torcer sem culpa. A alienação tem a ver com as estruturas sociais, econômicas e políticas, cuja transformação só será possível com nossa cidadania ativa.