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Será que estamos vivos?

Enfim, passou o fatídico dia 21 de dezembro de 2012, e o mundo não acabou. A profecia maia não se concretizou. Mas pense comigo: os espíritas estudiosos garantem que algumas almas não aceitam a morte quando desencarnam. Ficam vagando achando que ainda vivem no seu corpo físico. Você já pensou na possibilidade de estar todo mundo mortinho da silva sem saber disso, ou querendo negar? Cruzes! Mas várias vezes já me belisquei e senti dor. Fiquei mais tranquilo. Faça isso você também. Belisque-se de 6 em 6 horas preferentemente após lanches ou refeições (a fome pode mascarar a dor). Se você encanar, chegar a passar anestésico local antes de se beliscar, considere-se um suicida em potencial. Neste caso procure com urgência um psicólogo ou psiquiatra. Crie coragem, fique tranquilo, finja que não está suando. O pior é só a primeira consulta. Você pode começar assim: não diga bom dia ou boa tarde. Psicólogos e psiquiatras não são de muita conversa em consultório. Já chegue despejando o verbo na porta, mesmo antes de sentar. Fale, fale, fale, fale, fale, respire o mínimo necessário. Assim provavelmente você será elogiado no fim da sessão. Diga, por exemplo, que está ali porque um colunista maluco de um jornal mandou você se beliscar de 6 em 6 horas, e você nem lembra mais da sua cor, porque está todo roxo. Confesse a ele (ou ela) que comprou um despertador para se beliscar de madrugada.
Frequentando as consultas, com o tempo você vai diminuindo a frequência de belisca-se, até parar. Não se preocupe com o fato de não conseguir se desfazer do despertador. Ele será seu companheiro inseparável. Você continuará querendo acordar de madrugada. Irá abrir a janela, sentir o cheiro da noite, ouvir os ruídos da noite, encher seus olhos de estrelas e sua alma de lua. Irá ouvir o vento embalando as árvores, a despedida dos grilos e os pássaros saudando a aurora. Irá ver o sol descortinando o dia, pintando horizonte e nuvens com harmonia de cores, como num quadro abstrato. Quando a manhã chegar você vai observar o orvalho na grama e as gotas escorrendo suaves nas pétalas. Não é por acaso que escorrem suaves. Elas querem dizer da suavidade dos dias, como deve ser a vida. Você irá observar o vento embalando arbustos e levando folhas a voarem soltas, leves, mas comprometidas. Não é por acaso que elas voam leves e comprometidas. Elas querem dizer da leveza e do comprometimento, de como deve ser a vida. Você irá observar as flores se abrindo lentamente, se entregando ao calor do sol, e os beija-flores abençoando uma a uma. Você vai lembrar que existem borboletas, e ver que todas são lindas, independente de raça ou cor. Essas mesmas borboletas, que vieram de uma larva por metamorfose, te ensinarão que a beleza é fugaz, e a vida é breve. Você dará mais importância a cada raio de sol e aprenderá com a sombra que não precisa ser rápido para ser eficaz. Aprenderá com as cigarras e as formigas que é preciso encontrar equilíbrio entre festejar e trabalhar. Aprenderá que para qualquer som existe correspondência em notas musicais, e que transformar isso em arranjo harmônico é extrair da vida a melodia, a música. Aprenderá que a arte é uma expressão da vida, e que a técnica artística apurada é uma reverência ao sentimento, é fruto do compromisso em expressar a alma com a beleza que ela merece. Você irá aprender que ser educado vale mais a si mesmo do que ao outro, que a vida é ação e reação, é equilíbrio e recompensa. Verá o valor das emoções, e que negar uma emoção real pode transformar uma história que você, talvez sem perceber, está ajudando a escrever (ou apagar).
Todas estas coisas são traduções pessoais. São como DNAs dos sentimentos, dos quais temos nas mãos o poder das mutações, das transformações. Somos senhores do que fazemos, do que sentimos, do que vivemos. Quando seu relógio anunciar um novo despertar, e sua cor estiver voltando ao normal, não mais tão roxa de tanto beliscar-se, agradeça ao psicólogo(a) ou psiquiatra ao qual você, com razão, reclamou do colunista maluco do jornal. A este colunista do jornal você não tem nada a agradecer. Para mim, ser paciente é ter a paciência de me ler até o fim. Estamos quites. Agradeça a você mesmo pela autodescoberta de que, apesar de já ter estado quase morto, agora sim está vivo.