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Sobre pais, romances e “Blade Runner”

Quando fui convidado por minha terapeuta a olhar para trás e encarar minha infância para encontrar respostas que eu não encontrava, não sabia que esse caminho seria tão tortuoso. Muito do que levamos para nossas vidas vem de uma herança que construímos nos primeiros anos de nossas vidas. A existência humana não é uma jornada fácil. Há sofrimento e dor desde antes de nosso nascimento, começando pela gravidez até o momento em que chegamos a esse mundo. Por isso é tão fácil deixar marcas sob nós e sob os outros, ao mesmo tempo em que é tão difícil conviver com elas.

Dois anos atrás eu decidi ir para a terapia. Eu estava convicto de que o que tanto me inquietava merecia respostas. Estou longe de encontrar as respostas que gostaria, mas há um certo alívio após cada sessão. Sigo confiante na utopia de conseguir transformar a mim mesmo nessa guerra de um homem só.

Entre os vários assuntos que discorri com minha terapeuta está a nossa forma de se relacionar, seja em qualquer âmbito da nossa vida e a relação com nossos pais, que nem sempre é fácil. Mesmo em uma família estruturada, funcional e feliz é possível levar adiante uma série de coisas que nos marcaram. É por isso mesmo que decidi me permitir saber de onde vinham minhas cicatrizes, comportamentos e tantas outras coisas.

É a família que molda nossos comportamentos, aquilo que entendemos como amor, ódio, afeto, rejeição, felicidade, solidão, tristeza, vícios, válvulas de escape, etc. Diante disso, é um desafio reconstruir conceitos a partir de nossos relacionamentos quando essas coisas estão tão enraizadas dentro da gente. Aceitamos como natural como agimos, nos comportamos e nos relacionamos, afinal, tudo isso está dentro de todos nós há muito tempo.

Entre os diversos temas e discussões que o filme “Blade Runner – Caçador de Androides” aborda, está o amor entre Deckard e Rachael, uma androide. Deckard, um policial programado para acabar com replicantes, acaba se apaixonando por uma. Rachael é uma androide, também chamada de replicante, que teve memórias falsas implantadas, ao ponto de acreditar ser uma humana. Essa é uma das primeiras revelações que o caçador de androides tem ao observar as fotos de quando Rachael era criança. Nada daquilo que foi dito a ela sobre seu pai, sua mãe é verdade. Toda sua infância é baseada em uma mentira, nada é real. Então, como acreditar que alguém que nunca conheceu o amor seja capaz de se apaixonar e dar amor? É uma pergunta intrigante ainda sem respostas.

A discussão da consciência e possibilidade de sentimento de coisas não-humanas sempre esteve presente na literatura e no cinema. Ainda que não seja o tema principal de “Blade Runner”, que trata sobre coisas tão importantes que merecem uma outra coluna, não pude deixar de fazer essa relação ao ver novamente a obra. O amor entre indivíduos completamente diferentes é uma tônica no cinema hollywoodiano, em especial, nas comédias românticas e blockbusters. Embora não se encaixe no gênero, o filme de Ridley Scott apresenta como possível um relacionamento entre seres divergentes, em situação conflitante.

Se o autor do livro Philip K. Dick disse, “A realidade é a coisa que, quando você deixa de acreditar nela, continua lá”, quem sou eu para contradizer.