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Em meio à greve, reforma do ensino médio em debate

Everson Boeck
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Em um momento em que o Brasil recentemente passou por milhares de manifestações em praticamente todas as cidades dos seus 26 estados, as melhorias em Educação não estavam de fora das reivindicações da sociedade. Atualmente o magistério estadual passa por uma greve desde sexta-feira, 23 de agosto, onde uma das maiores reclamações é o pagamento do piso da categoria de acordo com a lei, que estabelece um salário de R$ 1.567,00 para uma jornada de 40 horas semanais. No entanto, outra preocupação da classe é a reforma do ensino médio que já está sendo implementada desde o início de 2012.
Durante as manifestações em Santa Cruz do Sul, a presença de estudantes nas mobilizações – a maioria do Ensino Médio – chamou a atenção da população. Os jovens apóiam os professores no movimento grevista. A estudante Taine Zimmer, estudante da Escola Ernesto Alves de Oliveira, acredita que o Ensino Médio Politécnico precisa ser mais “organizado”. “A maioria dos meus colegas também vê os Seminários Integrados, por exemplo, como uma ‘perda de tempo’. Todo mundo fica perdido sem saber direito o que fazer”, considera. Outra aluna, Paula Lopes, também da escola Ernesto Alves, teme não estar preparada para enfrentar uma prova de vestibular. “Com a redução de horas em disciplinas como Português e Matemática, a gente fica com medo de estar menos preparada para esse tipo de avaliação depois de formada”, comenta.
A diretora do 18° Núcleo do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers/Sindicato), com sede em Santa Cruz do Sul, Miriam Neumann Trindade, garante que a insatisfação dos alunos é pelo fato de não haver outra opção. “O que mais temos escutado é os estudantes reclamarem que não têm outra opção. É o Politécnico ou o Politécnico. Para eles, o ensino médio como era antes deveria continuar, porém com a opção do Politécnico”, ressalta.

Estado: “avanços necessários”

A coordenadora pedagógica da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (6ª CRE), Ana Alves, em entrevista exclusiva ao Riovale Jornal, afirmou que a discussão da reformulação do Ensino Médio é uma tendência nacional. “A Educação Básica brasileira vem sofrendo mudanças, principalmente na última década. Não é diferente quanto à reforma do Ensino Médio, uma discussão que está acontecendo há alguns anos. Em pouco tempo todas as escolas de ensino médio do país passarão por essa transformação na maneira de pensar a formação de seus alunos”, argumenta referindo-se ao Pacto Nacional pelo Ensino Médio, o qual vem sendo construído e editado pelo Ministério da Educação (MEC).
Segundo Ana, um ano e meio após a adoção do Ensino Médio Politécnico nas escolas públicas, o governo estadual do Rio Grande do Sul avalia os primeiros resultados como “estimuladores” na Educação. “Isso não significa que o Ensino Médio Politécnico já tenha uma identidade definida e clara para todos os envolvidos, pois ela está em construção e necessita, no mínimo, de mais um ano (terceiro ano) para definir-se, e muitos mais para firmar-se. No entanto, os atores principais desse processo estão conseguindo resultados surpreendentes”, comemora.
A coordenadora pedagógica da 6ª CRE frisa que a resistência ao novo é natural do ser humano. “Este novo momento na Educação é diferente de tudo aquilo que já se viu. É um processo que desacomoda todo mundo. Alunos que antes passavam três anos de suas vidas esperando pelas aulas prontas dos professores agora estão se iniciando no mundo da pesquisa, estão definindo temas para estudar, estão olhando para o presente e para o futuro com outros olhos; alunos que antes só iam para frente do quadro resolver um exercício proposto pelo professoragora estão ‘enfrentando’ seus colegas e bancas de professores para apresentar seus temas pesquisados no Seminário Integrado. Obviamente isso desacomoda os alunos e os professores. O novo, o desconhecido sempre causa receio”, analisa.
Contudo, Ana reconhece as dificuldades e os desafios que estão sendo enfrentados. “Evidentemente que esta não é uma proposta pronta e temos muito que avançar. Precisamos de uma revisão: da carga horária do Seminário Integrado no segundo e terceiro ano; da necessidade de materiais atualizados nas bibliotecas e laboratórios de informática, bem como de monitores em tempo integral nestes locais; do gerenciamento do tempo dos professores na escola no sentido de poderem se reunir por áreas do conhecimento, entre outras”, enumera. Para ela, uma reestruturação, qualquer que seja, quer em termos pessoais, profissionais ou institucionais, sempre apresenta desafios e superações que se fazem necessárias. “Desde o início, e ainda hoje, continuamos promovendo momentos de formação com os educadores para que as dificuldades sejam sanadas e o Ensino Médio Politécnico cada vez mais aperfeiçoado e próximo da realidade e das necessidades dos alunos dentro das suas comunidades”, explica.
Uma das grandes discussões sobre a reformulação do novo Ensino Médio Politécnico, de acordo com a coordenadora, é sobre o aumento da carga horária. “Em relação ao Ensino Médio como era antes, houve um incremento de 600 horas em se contabilizando os três anos, passando de 800 horas para 1000 horas anuais no ensino médio diurno, isto é, 200 horas para cada ano. O Seminário Integrado, que na perspectiva de alguns ‘rouba carga horária das aulas’, deve ser entendido enquanto uma metodologia de trabalho das áreas do conhecimento, e não como mais uma disciplina estanque no currículo desse nível da educação escolar formal. Importante frisar, nesse sentido, que a carga horária do Seminário Integrado está na pauta de estudos e discussão da Secretaria Estadual de Educação. As escolas e os professores estão participando desse processo de discussão. No âmbito da 6ª CRE, por exemplo, já aconteceu uma rodada de escuta dos professores, supervisores e diretores das escolas do ensino médio politécnico quanto a carga horária do Seminário. Mais dois momentos, um regional e outro estadual, estão sendo programados para discutir esse assunto.
Ana lembra que o Ensino Médio Politécnico, através do Seminário Integrado, instrumentaliza a pesquisa do aluno. “Dentro dos conteúdos programados para o ano devem nascer os temas para as pesquisas, isto é, um assunto relacionado aos conteúdos e à realidade dos alunos. Uma escola realizou um trabalho de pesquisa sobre capim annoni. A aluna idealizadora morava no interior com a família e sugeriu o tema, o que foi imediatamente acolhido pela classe. Foi um trabalho sobre plantio, produção, venda… O mesmo pode ser feito sobre culinária, economia, política etc. Esta é a ideia, fazer com que o jovem consiga sair do ensino médio com uma pesquisa que lhe qualifique para o mercado de trabalho”, exemplifica

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Segundo governo estadual, em pouco tempo todas as escolas de ensino médio
do país passarão por essa transformação na maneira de pensar a formação de seus alunos

Reforma acontecerá em nível nacional

Parte das propostas do MEC já está em implantação na rede estadual gaúcha, com a reestruturação curricular que traz para a rede o Ensino Médio Politécnico e o Ensino Médio integrado à Educação Profissional. De acordo com a Agência Brasil, em julho deste ano entidades representantes do ensino público e do privado encaminharam ao Ministério da Educação (MEC) documentos em que pedem uma reformulação do ensino médio. O assunto é debatido desde o ano passado tanto no próprio MEC quanto no Congresso Nacional, mas ainda sem resoluções concretas.
No mesmo mês, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) encaminhou ao MEC documento elaborado na última reunião ordinária do conselho. O documento propõe a criação de um programa com financiamento específico para o ensino médio, que reserve recursos para ações voltadas a melhorias em infraestrutura, capacitação e incentivo para professores e equipes gestoras, mobilidade de alunos e estudantes, apoio ao estudante (transporte, alimentação, material escolar e bolsas de manutenção) e apoio ao desenvolvimento de novas metodologias e materiais pedagógicos.
O MEC também aponta como necessidade a criação de condições efetivas para que jovens de 15 a 17 anos retidos no Ensino Fundamental alcancem o EM, o redesenho dos currículos, tendo como estratégia o Ensino Médio Inovador, ampliação do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, rediscussão do papel do curso normal médio e garantia de formação inicial e continuada para professores. A intenção do Ministério é envolver todos os entes federados para a superação desses desafios. Para isso, busca contribuições junto às secretarias estaduais de Educação, que ficarão responsáveis, na etapa de execução do Pacto Nacional.
Dados do MEC indicam que 71% dos estabelecimentos que ofertam Ensino Médio no País são de redes públicas. Entre os 15 e 17 anos, 91% estão matriculados na escola. Os 9% restantes, não matriculados, correspondem a 978.540 jovens brasileiros. No Rio Grande do Sul, são aproximadamente 76 mil jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da escola.