Sara Rohde
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A arte independente de Santa Cruz do Sul representa muito bem o RAP, música que soa nos ouvidos, atrai olhares e gera um pensamento crítico. As melodias originais do ‘Ritmo, Arte e da Poesia’ são apresentadas pela voz do MC (Mestre de Cerimônia), e estes talentos precisam ser reconhecidos.
Desta vez quem vem com lançamento é o Jonatan Pacheco (Pach) que iniciou no RAP há três anos e surpreende a quem escuta. O novo som do artista faz parte do Projeto Identidade, de autoria do produtor musical Jonathan Silveira (Mestru Gu), da produtora independente Obra Prima Records. A melodia, como o próprio artista diz, é um desabafo de tantas coisas que estavam trancadas em sua garganta.
Jonatan Pach sempre teve um senso crítico social em seus sons, mas com o tempo criou prioridades em seus versos. “Nunca coloquei algo nas minhas músicas sem ter uma pesquisa mínima pra saber do que se trata”, destacou o artista. Jonatan ressalta que quando o assunto é racismo, entra emoção em suas melodias. “Meu foco não é só crítica social, mas meus sons quase sempre trazem alguma mensagem, inclusive nas LoveSongs (músicas românticas), ou nas músicas tirando onda, sempre tem algo nas entrelinhas e tenho tentado trabalhar pra nivelar isso”.
O RAP já faz parte da vida do Pach há mais tempo, mesmo antes de criar as rimas ele já estudava o estilo musical. “Eu escutava Slim Rimografia, Coruja BC1, Renan Inquérito, Atentado Napalm, e estes dois últimos, sempre me chamaram atenção pela forma da escrita, técnica, poesia e imposição de voz, daí tomei gosto por brincar com as palavras, sem exceção. Em todas as minhas músicas se percebe isso o que também é um reflexo do meu cotidiano. Pergunta pros meus amigos se eles me aguentam ainda fazendo trocadilhos”, comenta aos risos.
Por Enquanto – Aquela Fita Que Cê Não Esquece – é o nome do novo EP que o MC vem desenvolvendo e trabalhando, mas devido as participações em músicas de outros artistas da região, ele deu um tempo e diz não ter pressa para o lançamento, pois o crescimento vem em conjunto, então se dedica também em projetos alheios. Um deles é o Projeto Identidade, do Mestre Gu. “Eu tinha coisas entaladas na garganta e precisava despejar em algum lugar, novamente recorri a arte, e me sinto privilegiado, pois não são todos os pretos que têm acesso ou até mesmo se encontram em algo que pode ser a válvula de escape pro crime”.
Jonatan relembrou um momento triste em sua vida, de injustiça e preconceito, “eu encontrei uma forma primeiramente no Slam (Batalha de Poesia) de falar um pouco sobre o que aconteceu comigo ano passado, onde tomei ‘cassetada’ no joelho da polícia, sem o direito de olhar para trás e poder identificar o agressor. Apanhei sem justificativa, sem nunca ter sido fichado, sem uma verificação da minha ficha, sem a solicitação de nenhum documento, coisa que já tinha acontecido com uma pessoa da minha família uns meses antes, só que bem pior”. Diante do ocorrido e dos preconceitos que sofre saiu a ideia da letra Monstro do Lago Dourado.
Projeto Identidade #7 – Monstro do Lago Durado: “Como gosto de brincar com palavras, relacionei o Identidade ao documento que não me solicitaram na abordagem. Quanto mais tu entende o que é ser negro no Brasil, mais revoltado tu fica, e trazendo isso para um contexto germânico que é o de Santa Cruz do Sul, rende muita coisa”, frisa.
Jonatan destaca o evento de Hip Hop que ocorria no município, a Batalha na Pista de Skate, o qual foi impedido de acontecer, “o próprio movimento Hip Hop é prejudicado, (agora está surgindo esperança de que mude), mas além de não receber apoio, foi impedido de acontecer livremente, uma das únicas coisas que fazia pessoas da região central até a periférica se encontrarem, pois o espaço do jovem aqui é muito limitado quando não se tem dinheiro. Eu nunca morei nas zonas mais afetadas, mas meus pais tem origem de lá, e a gente sabe muito bem que as limitações não são só financeiras. Poucos lugares são feitos pra todo mundo, onde todos se sintam confortáveis em frequentar, e a Batalha da Pista, reunia muitos jovens e adultos, de todas as classes sociais”, lamenta Pach.
O artista também comenta sobre a dificuldade de investimentos em bairros da periferia aqui de Santa Cruz do Sul, “experimenta dar uma volta no centro num sábado de tarde, e depois ir para o ‘outro lado do asfalto’, o contraste de cor é absurdo comparado com o cartão de visita da cidade, que apresenta uma ‘mini Alemanha’. Para o artista “segue a nossa vontade de povoar os lugares que a gente quiser e se sentir à vontade onde a gente quiser, e acho que o single ‘Monstro do Lago Dourado’ (alusão ao Monstro do Lago Ness) é um grito de ‘Hey, a gente existe, a gente cansou de ser invisível, a gente cansou de apanhar sem motivo, e a gente cansou de ter a voz abafada. Nossa expressão vale mais do que limite de decibéis. Como um jovem preto de Santa Cruz do Sul, minha maior felicidade vai ser quando eu puder dar um rolê em paz, sem me preocupar com ladrão, sem me preocupar com polícia e sem fazer taxistas tremerem só por tentar voltar pra casa seguro”, completa.
Assista o clipe do Projeto Identidade #7 – Monstro do lago Dourado.

Obra Prima Records: Jonathan Silveira (Mestru Gu), proprietário do Estúdio Obra Prima Records, começou com a produção de instrumentais (beats) entre 2006 e 2007. Desde aquela época, Gu já criava bases. Em meados de 2013 o produtor começou a gravar vozes e a produzir melodias.
Vários artistas locais já produziram com o Mestru Gu. O projeto Identidade já está em seu 7ª episódio. Segundo o produtor a ideia do projeto surgiu no inicio de novembro do ano passado e foi inspirado em alguns canais de vídeos do YouTube. “O intuito é divulgar artistas (MC/Beatmakers) da cena artística local e também dar oportunidade para aqueles que estão iniciando ou que até mesmo nunca gravaram uma música própria, ter um trabalho na internet”, ressalta.
O produtor comenta que o projeto oportuniza os artistas a mostrarem um pouco mais de sua personalidade. “Cada um mostra um pouco da sua ‘Identidade’, por este motivo foi escolhido este nome”, enfatiza.
Além das músicas, Gu também produz vídeos e os trabalhos do produtor podem ser conferidos em seu canal no YouTube (Obra Prima Oficial), onde se encontram todos os episódios do ‘Projeto Identidade’, que contou com a participação dos Mcs: Diego’C Identidade #1 com a música Autobiografia, Identidade #2 com Negro Guediz e a música Amores, Rancores, Ação; Identidade #3 Marcelo Ronin – Antes que Tudo Acabe; Identidade #4 Garga – Soulfly; Identidade #5 Psico – Absorto; Identidade #6 Prego Lima – Coragem pra Seguir, e o Identidade #7 com o Jonatan Pacheco – Monstro do Lago Dourado.















