
Grasiel Grasel
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A vida do produtor rural santa-cruzense não costuma ser muito diferente de uma propriedade à outra. Em praticamente todos os casos a rotina começa cedo, entre 5 e 7 horas da manhã, com trabalho pesado durante o dia todo e praticamente sem folgas ou feriados, afinal, já que a natureza não para quem vive dela também não pode parar. No entanto, alguns se destacam por irem além do plantio exclusivo de tabaco, fazendo da colônia a sua vida e a vida dos filhos.
Assim como muitos outros colonos, Olinto Aloisio Dutra, 61 anos, mais conhecido como “Maninho”, trabalhou e continua trabalhando pesado, acordando cedo e cuidando da bicharada. Ele talvez não seja um caso extraordinário, digno de grandes manchetes ou livros, mas é por sua simplicidade e empenho em ajudar as comunidades vizinhas que ele acabou se tornando uma figura reconhecida e respeitada na região de Alto Paredão. Embora tenha passado por dificuldades, foi o que ele e a esposa Nersi, 58 anos, produziam que garantiu o sustento de toda a família por muitos anos.
A educação precária e com final precoce, bastante comum em famílias do interior no século passado, também esteve presente na vida de Maninho, que estudou somente até a quinta série. O colono chegou a ganhar uma bolsa para estudar em um antigo colégio agrícola de Venâncio Aires, mas a mãe não queria que ele deixasse a família e, na realidade que vive hoje, ele se arrepende da oportunidade perdida. “Eu tava pronto pra ir, o pai incentivava. Eu podia ser hoje um técnico agrícola, um engenheiro, mas a mãe chorando não me deixou ir pra estudar porque os filhos tinham que ficar com ela. Hoje em dia é diferente, a gente cria os filhos pro mundo”, comenta emocionado.
Se para ele estudar foi uma oportunidade perdida, consequência de uma mentalidade centrada no núcleo familiar bastante característica da época, o mesmo ele e a esposa jamais deixariam acontecer com os filhos. A mais velha, Cristiana, nascida em março de 1980, hoje com 39 anos, começou a primeira série aos 6 anos de idade e aos 13 já ganhou uma bolsa para estudar em um colégio de freiras em Sinimbu, onde hoje fica a E.M.E.F. Nossa Senhora da Glória.

Enquanto estava na cidade vizinha a realidade de Cristiana e sua família não era nada fácil. As dificuldades financeiras em casa, juntamente com o alto custo para manter a vida em Sinimbu, criaram diversas situações de preocupação e tristeza. “Eu lembro que a mãe ligava e perguntava se eu tava bem. Eu dizia que tava, mas depois que desligava quase morria chorando”, comenta Cristiana. Era o trabalho árduo dos pais que garantia que todos tivessem ao menos o que comer, pois o dinheiro que não tinham era compensado pelos alimentos que produziam em abundância na colônia.
Somente muitos anos depois de terminar o ensino médio que Cristiana pode iniciar a faculdade de Direito, que embora não tenha contado com a ajuda dos pais para estudar já que eles ainda se recuperavam do período de vacas magras, acabou recebendo todo o apoio moral e psicológico que podia ter de ambos.
Logo que voltou a estudar Cristiana deu luz à filha Julia, que enquanto bebê chorava bastante por motivos de saúde. Em uma madrugada, durante uma crise de choro da filha e a pressão psicológica do trabalho e da faculdade, ligou para os pais em desespero para pedir ajuda. Eles prontamente enfrentaram os mais de 30 quilômetros de estrada de chão de Paredão até Santa Cruz no meio da noite. Foram por demonstrações de apoio dos pais como esta que ao longo da vida ela e o irmão César, de 28 anos, encontraram forças para enfrentar as dificuldades da vida adulta.
César, nascido logo antes da irmã se mudar para Sinimbu, acabou tendo a oportunidade de receber uma ajuda financeira maior dos pais em seus estudos. Cursou Jornalismo por alguns anos e acabou desistindo pelas dificuldades do mercado de trabalho da época, mas foi nos últimos semestres do curso de Direito, a ciência social que, assim como Cristiana, possuía um grande apreço desde a infância, que o dinheiro que a família conseguia no interior serviu para pagar as mensalidades quase inteiras da faculdade. Agora além de fornecer alimento e quase zerar os custos com comida na família, Maninho e Nersi podiam ajudar o filho a financiar os estudos com seu trabalho na propriedade.
O início dos estudos na faculdade foi um período de bastante solidão para César. O apoio moral e as palavras de incentivo dos pais foram o que salvaram o jovem por muitas vezes de entrar em depressão. Ocasionalmente também surgia no jovem a preocupação de estar pegando dinheiro demais para pagar o curso superior, pois seu salário mal era o suficiente para cobrir os custos de morar na cidade. Maninho sempre encontrava uma forma de tranquilizar o filho. “Isso é um investimento, tu vai ter retorno. Mesmo ganhando pouco hoje, um dia vai valer a pena”, dizia ele, segundo César.

Quando lembra da sensação de ver os dois filhos se formando, Maninho chora e diz que faria tudo de novo. Especialmente na formatura da filha, o agricultor não esconde a alegria que as memórias lhe trazem. “Chorei muito na formatura da Cristiana, a alegria foi tanta que nem sei dizer o que senti. Foi uma vitória muito sofrida pra ela”, conta Maninho emocionado. A formatura de César também teve uma forte carga emocional, pois Nersi passava por um período em que sua saúde era delicada, mas com a ajuda de parentes do interior, ela e o marido puderam prestigiar o momento.
Embora a idade esteja chegando, o colono pretende continuar trabalhando por muitos anos, cuidando da sua plantação de fumo e da criação de ovelhas, as duas atividades que mais lhe trazem lucros, mas também não descarta continuar ativo nas demais, como a plantação de milho e hortaliças ou a criação de frangos e suínos. “Ovelhas vendo carneadas, muito pra comunhão, crisma, final de ano e ano novo, mas também vendo viva, aí que dá mais dinheiro, porque não perco tempo carneando. Olha, nem venço criar ovelha que chegue”, conta em meio aos risos de felicidade.
Aos que querem saber o segredo de Maninho para continuar sendo um colono de sucesso, capaz de ajudar os filhos em suas formações, ele explica como trata os excedentes do que produz, e diz que qualquer coisa que sobra e não é consumida pode ser vendida. “Ah, mas tu faz só 20 pila vendendo ovos. Pra quem sabe gastar, é dinheiro! Ontem vendi 3 galinhas caipiras, o pessoal sempre vem aqui em casa buscar, não preciso nem levar. Fiz mais 60 pila”, e ainda adiciona que “o único colono que passa fome é o que precisa ir no mercado comprar tudo. Tem terra, mas só planta fumo, aí não dá”, comenta bem-humorado.














