
Sara Rohde
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Na última semana o presidente Jair Bolsonaro cogitou a extinção da Agência Nacional de Cinema (Ancine). A fala veio à tona quando ele sugeriu à agência que recuasse na decisão de autorizar a captação de recursos ao documentário ‘Nem Tudo se Desfaz’, no valor de R$ 530 mil. O longa-metragem dirigido por Josias Teófilo retrata como ocorreu a eleição de Bolsonaro.
O presidente disse em live no Facebook que não concorda com a utilização de recursos públicos para elaboração de audiovisuais, por isso sugeriu que a Ancine volte atrás em sua decisão e afirmou que um filtro deve ser colocado nas produções nacionais. “Vamos buscar a extinção da Ancine. Não tem nada que o poder público tenha que se meter em fazer filme. Que tenha uma empresa privada, sem problema nenhum. Mas o estado vai deixar de patrocinar isso dai”.
Na terra do Festival Santa Cruz de Cinema, a decisão do governo preocupa quem é ligado à sétima arte. É o caso do diretor de cena e sócio proprietário da empresa responsável pela realização do festival, a Pé de Coelho Filmes, Diego Tafarel. Segundo ele a Ancine é fundamental ao cinema brasileiro, “o audiovisual brasileiro é muito importante para o país, e tudo que o estado investe nessa área retorna de forma lucrativa através de impostos e milhares de empregos para a população”, disse. Ainda conforme Tafarel a extinção da Ancine será um erro. “Hoje temos filmes nos maiores festivais do mundo e isso é excelente para nossa cultura e para imagem do Brasil. Atacar a Ancine sem entender a sua função e os benefícios que ela trouxe nas últimas décadas é um enorme erro”.
O Setor Audiovisual do Rio Grande do Sul, em defesa da liberdade de expressão e da manutenção da Ancine, escreveu uma carta aberta repugnando a extinção declarada pelo presidente da República Jair Bolsonaro. Na carta a agência salienta a importância do cinema brasileiro para a economia do país, bem como a importância do audiovisual para o constante desenvolvimento da cultura e liberdade de expressões artísticas.
Sobre Ancine
A Ancine criada em 2001 pela Medida Provisória 2228-1 é uma agência reguladora que tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. Primeiramente era ligada ao Ministério da Cultura até sua extinção pelo Presidente Jair Bolsonaro, após, ficou vinculada ao Ministério da Cidadania. No dia 18 de julho o presidente Jair Bolsonaro anunciou a transferência do Conselho Superior do Cinema para a Casa Civil.
A missão da Ancine é desenvolver e regular o setor audiovisual em benefício da sociedade brasileira. Encerrado o ciclo de sua implementação e consolidação, a agência enfrenta agora o desafio de aprimorar seus instrumentos regulatórios, atuando em todos os elos da cadeia produtiva do setor, incentivando o investimento privado, para que mais produtos audiovisuais nacionais e independentes sejam vistos por um número cada vez maior de brasileiros.
Documentário ‘Nem Tudo se Desfaz’
É um documentário ensaístico sobre os desdobramentos culturais e políticos das Jornadas de Junho de 2013. Os movimentos de então foram o início de aceleradas transformações na sociedade brasileira, o que culminaria, em outubro de 2018, na eleição de Jair Bolsonaro a presidente da República. Nesse intervalo de tempo, as grandes manifestações de rua voltaram a ser instrumento de disputa política, no esteio da ascensão das redes sociais e da quebra de uma longa hegemonia da esquerda na cultura nacional. Ao mesmo tempo, uma crise sem precedentes atingiu organismos intermediários como a grande imprensa, os partidos políticos e o Supremo Tribunal Federal, entre outras instituições.
Confira alguns trechos da Carta Aberta do Setor Audiovisual do RS, em defesa da liberdade de expressão e da manutenção da Ancine
A Ancine criada em 2001, durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, é uma agência reguladora que tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. Sua diretoria colegiada é indicada pelos governos e aprovada pelo Senado, e conta com autonomia prevista em lei para o exercício de suas funções. As propostas presidenciais de autocraticamente extingui-la, privatizá-la ou submetê-la a controles ideológicos são inconstitucionais e ilegais, e devem ser tratadas com a gravidade que se aplica a proposições de tal sorte quando formuladas por um governante eleito democraticamente.
A cadeia produtiva do audiovisual, que seria profundamente impactada pelas propostas do presidente movimenta mais de 25 bilhões de reais por ano, o que corresponde a quase 0,5% do PIB brasileiro (valores superiores, exemplificativamente, a negócios mais tradicionais, como a indústria farmacêutica). São 100 mil empregos diretos e 200 mil vagas indiretas geradas pelo setor, que vem sendo um dos poucos da economia brasileira a apresentar crescimento constante durante os últimos anos.
Promover mudanças radicais e profundas num setor que se encontra em franco desenvolvimento, em meio à consolidação de uma indústria nacional, através do desmonte da estrutura que lhe provém fomento e regulação é uma medida extremamente temerária, em termos culturais, econômicos e sociais.
As declarações e ações do Presidente da República nestes últimos dias, ameaçando a produção de um importante setor da cultura e a liberdade de expressões artísticas, ao utilizar-se do eufemismo ‘filtro’ para esconder a tentativa de censura por parte do governo são de extrema gravidade e exigem atenção de toda a sociedade brasileira por ferirem os preceitos constitucionais de ‘liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’ (Artigo 5º, Parágrafo IX da Constituição Federal).
Para além deste grave aspecto da inconstitucionalidade da aplicação de ‘filtros ideológicos’ ao financiamento de produções culturais, é preciso esclarecer que os recursos financeiros que abastecem grande parte da produção audiovisual brasileira, através do Fundo Setorial do Audiovisual, derivam justamente de recursos provenientes do próprio setor e de setores afins, de modo que a gestão de tais recursos deva dar-se de forma autônoma, sem a aplicação de filtros ideológicos pelo governo da vez.
A nós, de todo o setor da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul, representados aqui pelas associações APTC-RS (Associação Profissional de Técnicos de Cinema do RS), SIAV RS (Sindicato da Indústria Audiovisual do RS) e da FUNDACINE (Fundação Cinema RS), resta recorrer, de forma plenamente descolada de quaisquer posições partidárias, para que esses arroubos do presidente não encontrem qualquer eco na realidade.
Nossa esperança é que tais afirmações não passem de manifestações equivocadas induzidas por boatos difundidos por organizações mal-intencionadas, que pretendem destruir a cultura e moldá-la de acordo com suas convicções ideológicas, e que sejam devidamente abandonadas diante da prevalência do bom senso. Nossa crença absoluta na democracia nos leva a crer que, caso o poder Executivo prossiga com essas intenções errôneas, os representantes do povo no Legislativo e os detentores do poder Judiciário impedirão a catástrofe que ocorreria no caso de concretização das ideias externadas.
Esperamos que o audiovisual brasileiro possa seguir prosperando e representando a pluralidade de nossa cultura, proporcionando a todo cidadão brasileiro a oportunidade de seguir contando e assistindo sua realidade nas telas. Queremos seguir trabalhando com a dedicação de sempre, materializando sonhos e ideias na forma de filmes, empregando profissionais, movimentando a economia e contribuindo para o Brasil cada vez melhor, mais rico e mais livre, que esperamos ver em nosso futuro.
(*) Associação Profissional de Técnicos de Cinema do RS, Sindicato da Indústria Audiovisual do RS e da Fundação Cinema RS.














