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“Eu sonho com uma sociedade mais inclusiva”

Este é o desejo de Lucinéia Dornelles, mãe atípica de Thomaz, diagnosticado com autismo e deficiente visual

Lucinéia com o filho Thomaz, de 11 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Luciana Mandler
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O Agosto Laranja traz diversas reflexões acerca de direitos e desafios relacionados a pessoas com deficiência. Você já ouviu falar de maternidade atípica ou mãe atípica? Afinal, o que essas nomenclaturas querem dizer? Assim como o termo já diz, é uma maternidade que não é típica, ou seja, que foge do senso comum da normalidade, do padrão.

“Toda a mãe que enfrenta limitações com o desenvolvimento de seu filho, que ele possua algum tipo de deficiência, seja física, visual, auditiva, intelectual, psicossocial ou múltipla, está inserida neste grupo”, explica Lucinéia Dornelles, mãe atípica do menino Thomaz, de 11 anos, e presidente da Luz Azul – Associação Pró-Autismo de Santa Cruz do Sul.

Thomaz é deficiente visual. Ele tem uma doença genética degenerativa da retina, chamada amaurose congênita de Leber (ACL). O diagnóstico foi feito nos primeiros meses de vida. Próximo aos três anos e meio de idade, começou a ter regressão nas habilidades comunicativas e na interação social, vindo a ter o segundo diagnóstico: transtorno do espectro autista (TEA).

Para Lucinéia, que é professora, ser mãe não é uma tarefa muito fácil. E ser mãe atípica torna a incumbência ainda mais difícil. Mas, com amor, atenção e muito estímulo, as dificuldades vão sendo superadas. “Sou grata ao meu filho por todos os ensinamentos, por me permitir ver sentido nas pequenas coisas, vibrar a cada nova conquista e reconhecer minhas fraquezas e transformá-las em força para seguir lutando por um mundo mais justo e igualitário”, enaltece.

Ela conta que costuma haver uma romantização da maternidade atípica e falas como “vocês são heroínas”, “todo filho especial merece uma mãe especial”, “tu és guerreira”, “super mãe” vão se internalizando. “Vestimos essas fantasias e esquecemos que somos de ‘carne e osso’ e que temos o direito, podemos fracassar, merecemos descansar e que nem tudo está sob nosso controle, que é permitido errar e que bom quando acertamos, até porque, como qualquer outra mãe, não viemos com manual. São constantes os erros e acertos em busca do melhor para os nossos filhos”, reflete.

Lucinéia acredita que a maternidade atípica precisa ser vista de forma humanizada e realista, dando importância para as dificuldades e necessidades reais do dia a dia. “Não queremos ser exemplos de superação e sim garantir o acesso aos nossos direitos e aos de nossos filhos”, sublinha. Mães atípicas, na avaliação da professora, são dispostas a lutar por uma sociedade mais empática, consciente e afetuosa, onde as diferenças sejam respeitadas na individualidade de cada ser. “Eu sonho com uma sociedade mais inclusiva, livre de preconceitos”, aponta.

Embora o maternar não seja uma tarefa fácil, para a mãe de Thomaz a maior dificuldade está na falta de políticas públicas e de acessibilidade, na discriminação e no capacitismo. “Ou seja, é um constante brigar e lutar por direitos que muitas vezes já estão previstos em leis, mas que é necessário judicializar para que sejam cumpridos”, lamenta.

Mãe atípica: esforço e dedicação que valem a pena

Davi Augusto Berté Bressler, de 14 anos de idade, tem paralisia cerebral. Há oito anos frequenta a escola da Apae. Desde um ano e três meses, recebe acompanhamento de fisioterapia na entidade. A mãe Deise Berté, que é esteticista e trabalha como diarista, explica que o garoto desenvolveu a paralisia após uma convulsão aos oito meses, devido à falta de oxigenação no cérebro.

O menino também foi diagnosticado com autismo leve e deficiência intelectual. “Ele compreende tudo, é bem inteligente, mas tem a mentalidade de uma criança pequena. Ele vai fazer 15 anos, mas tem a cabecinha de uma criança de dois anos”, comenta a mãe. Apesar dos desafios diários, Deise não deixa a peteca cair, é otimista e vive um dia de cada vez.

Para ela, ser mãe atípica emociona. “Sempre quis ser mãe. Quando decidi que era hora, conversei com Deus: ‘Não importa, perfeito ou não, eu vou amar do mesmo jeito’. E ele nasceu perfeito. Até os oitos meses, fazia tudo normal. Depois do diagnóstico é que veio o choque, mas a gente tem escolhas para fazer e eu decidi fazer o melhor que podia por ele”, revela. “As minhas lutas são diárias. Além do Davi, tenho outro filho, que vai fazer nove anos, o Vicente. Ele é um irmãozão, tem um coração enorme e me ajuda muito”, orgulha-se Deise.

Apesar de ser mãe atípica, ela agradece pelo filho não precisar usar sonda, nem cateter e tampouco respirador. “Ele se alimenta e respira normalmente, não posso me queixar. Temos que pensar sempre que em algum lugar há uma criança em estado pior. E é isso que me leva adiante e me sustenta. Saber que ele é uma criança feliz e não tem complicações”, ressalta.

Divorciada há dois anos, a esteticista vê na Apae a estrutura e o suporte necessários para seguir em frente. “Ele é muito bem atendido e ele ama estar lá”, frisa. “Tudo que eu preciso, todas as dúvidas esclareço com eles. Além disso, as professoras são muito atenciosas”, reforça.

Na Apae, Davi frequenta a escola três vezes na semana, tem sessões de fisioterapia e de fonoaudióloga, participa do grupo de terapia ocupacional e de aulas de música. “Não teria outro lugar para colocar meu filho se não fosse na Apae”, acentua Deise. Ser mãe solo não é fácil, mas para ela nada é mais gratificante do que ver os filhos bem. “Ver o Davi alegre e feliz faz todo esforço valer a pena”, sublinha.

Deise com os filhos Davi e Vicente (Foto: Arquivo Pessoal)

Síndrome de down não é doença

Carmen Luiza de Feitas, de 59 anos, participa das atividades da Apae (grupos de mães e de dança) desde 2018. A dona de casa e voluntária da entidade é mãe da jovem Letícia de Freitas Lautert, de 24 anos, que tem síndrome de down. Para ela, é muito gratificante, agradável e relaxante fazer parte dos grupos, pois gera mais vínculos com a filha. Carmen acredita que ser mãe de uma pessoa com down é especial. “Meu maior desafio é provar para os outros que se dizem normais que a síndrome de down não é uma doença”, enfatiza.

Letícia e a mãe Carmen (Foto: Arquivo Pessoal)