Início Editorial Uma vida, em dois tempos

Uma vida, em dois tempos

A Grécia Antiga é pródiga em contribuições para a cultura humana. No campo da arte, os gregos nos trouxeram, entre outras maravilhas, o gênero teatral da tragédia. Tanto em livros quanto em filmes, ou nas próprias representações teatrais, é possível conhecer as histórias que fizeram parte da tragédia grega. Em 1969, o diretor italiano Pier Paolo Pasolini lançou o filme ‘Medeia, a Feiticeira do Amor’. Uma obra muito interessante do ponto de vista espiritual/metafísico.

Um dos personagens destacados é o herói Jasão, que, entre outras situações vividas no filme, atravessa uma bifurcação temporal. É como se ele vivesse em duas dimensões: alguns momentos contradizem o que seria uma ideia de única linha temporal. Dois tempos, dois universos, vividos em uma única vida. Há uma situação no filme que ajuda a explicar a questão. Na infância, Jasão se encontra com o Centauro, meio-homem, meio-cavalo. Anos depois, Jasão mais uma vez está diante do Centauro, agora apenas um homem.

Como o Centauro poderia ter se alterado tão drasticamente? Uma explicação que pode ser feita é a seguinte: Jasão teve acesso a duas dimensões, em uma delas o Centauro tem uma forma; na outra dimensão, o Centauro possui outra forma.

Essa percepção dupla que Jasão vivenciou nos estimula a pensar sobre a complexidade da mente humana. E, nesta linha de raciocínio, é premente examinar a personagem de Medeia, interpretada no filme de 1969 pela grande artista Maria Callas. Medeia se qualificaria no que hoje poderia se considerar uma pessoa mediúnica. No filme, ela apresenta uma forte conexão com a terra e com Deus. E, quando essa conexão se ausenta, claramente a personagem se perde na infelicidade. Considerada uma bruxa, Medeia é exilada pela sociedade. De forma semelhante a Jasão, Medeia viveu uma vida, em dois tempos.