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Bem-vinda, Primavera

Que bom que voltaste. Podes chegar sem medo. Sejas bem-vinda, Primavera. Vem e enche os dias de cores e perfumes. Vem, te veste de novo de flores e me encanta. Sopra o vento que só tu conheces, esse vento que vem não sei de onde, mas só pode ter passado pelos teus lábios. Única estação que tem lábios. Nesta época o ar inteiro parece ter sido expirado por ti, purificado enquanto respiravas.
Vem, Primavera, e enche os jardins de vida. Deixa que os beija-flores te beijem, que as abelhas suguem teu néctar, que os pássaros façam ninhos em ti. Vem e enche de cores as ramagens, dá mais vida às varandas. Mergulha os talos verdes nos vasos, e expõe neles as flores. Vermelhas, amarelas, brancas, azuis. Flores de muitas formas e perfumes. Rosas, cravos, orquídeas, crisântemos, azaleias, lírios, margaridas, palmas, copos-de-leite, bocas-de-leão, amores-perfeitos. Enche de vida os jardins. Deixa, Primavera, que os ipês floresçam nas ruas, praças e parques, os mesmos ipês que pontilham florestas verdes em pontos raros. Onde houver riachos, deixa que bromélias e palmeiras enfeitem a mata mágica das margens, ao som inconfundível das águas lambendo as pedras. As mesmas águas que levarão vida por onde deixarem a terra fértil.
Vem, Primavera, e traz pessegueiros floridos e os campos mais verdes. Traz pitangas, jabuticabas, e as sombras das árvores onde se pode melhor comer pitangas e jabuticabas.
Isso, Primavera, vem e chega. Não nos deixa esquecer que a vida é colorida e, se quisermos, pode ser perfumada. Torna os dias maiores e as noites mais estreladas. Vamos juntos caçar vaga-lumes como quando éramos crianças. Quando prendermos os vaga-lumes nas mãos, vamos espiá-los e admirar seu brilho inspirador. Depois vamos soltá-los. Quem tem luz própria e asas não se prende.
Primavera, vem! Vem e traz de novo as parreiras ressurgindo depois das podas, aos poucos, até ficarem inteiras. Fica-se mais forte depois das podas, alheios à intenção de quem cortou.
Chega sem medo, Primavera. É por ti que os pássaros têm cantado mais, que a cigarras têm cantado mais. É porque voltaste que as andorinhas estão voltando, que os sabiás, os bem-te-vis e até os pardais fazem coro. É por ti que as gotas de orvalho escorrem mais delicadamente no veludo das pétalas. É porque voltaste que a grama ressurge mágica, e nela a vida pulsa, e os insetos fazem festa. É porque voltaste que bandos de borboletas enchem o ar de cores. Muitas cores. Por ti ressurge essa mistura de sentidos e emoções.
Que bom que voltaste. Mas, afinal, onde tu moras, Primavera? Onde passas o resto dos teus tempos? Qual é o lugar que te merece quando não estás aqui? Existe outro lugar que te merece? Será a linha infinita do horizonte onde céu e terra se confundem? Ah, deve haver sim este lugar. Por onde fores levas contigo os perfumes, as cores, o encantamento. Por onde fores há de ser sempre aurora e pôr do sol. Aurora porque tua presença faz ter sempre cheiro de madrugada. Pôr do sol porque o entardecer é como pintura de pálpebras: quando as pálpebras se abrem as cores vão sumindo aos poucos, dando lugar aos olhos negros da noite, onde, brilhando, só as estrelas têm palavras, e dizem tudo… em silêncio.