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Confiança e coragem: a mulher motorista de aplicativo

LŽia Ž motorista de aplicativo h‡ 3 meses e n‹o pensa em deixar de dirigir mesmo com outro emprego

Grasiel Grasel
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Quem nunca ouviu o antigo e preconceituoso ditado “mulher no volante, perigo constante!”? A brincadeira supostamente inocente representa um tabu vivido e reproduzido até hoje no Brasil: o de que as mulheres não são capazes de dirigir como os homens, ou que elas tendem a se envolver em acidentes mais facilmente. Um conceito bastante errado, já que atualmente são muitas as mulheres que ganham a vida como motoristas por vocação.
Curiosamente, ou não, a primeira pessoa a conquistar o selo de 5 estrelas da Uber, aplicativo de mobilidade urbana por transporte privado, foi uma mulher. A paranaense Gláucia Stocki teve sua marca reconhecida depois de ser a primeira motorista do Brasil a atingir 500 avaliações com nota máxima, as quais são fornecidas por pessoas transportadas por ela.
Na região de Santa Cruz em que o aplicativo atende usuários o número de mulheres motoristas é desconhecido já que a Uber não registra o sexo ou o gênero de seus parceiros cadastrados, mas a estimativa é de que mais de 10 dirigem regularmente pela cidade. Léia Laduides Lopes Andrade, de 44 anos, é uma delas.

DA CAPITAL PARA O INTERIOR

Léia mudou-se de Porto Alegre para Vera Cruz há quatro anos por causa do emprego do marido, que foi chamado para trabalhar como operador de máquinas na empresa que hoje está construindo o prédio da Havan em Santa Cruz. Por muito tempo ficou desempregada, mas depois de receber a visita de um irmão, que já era motorista de aplicativo na capital, acabou sendo convencida por ele a iniciar na atividade, na qual está trabalhando há três meses. “Era uma necessidade, não trabalho por esporte. Lá em casa era só a renda do meu marido, então a grana estava muito curta e eu decidi começar”, conta.
A rotina da motorista é dura, mas não deixa de ser melhor do que a que tinha na Grande Porto Alegre, onde saía de casa em torno das 5h30 e chegava geralmente às 20h30, passando mais de 12 horas fora por causa da distância e do trânsito intenso até o trabalho. O choque da rotina mais tranquila do interior foi fator determinante para ela e o marido decidirem ficar por aqui. “Quando que eu ia pensar que eu ia ter tempo para sentar numa praça pra tomar um chimarrão? Nunca! Aqui tu vive mais, a qualidade de vida é melhor”, conta Léia aos risos. Hoje, quando visita parentes na capital, ela conta que não consegue ficar lá por muito tempo, já está acostumada com a calmaria da nossa região.
O trânsito é uma das diferenças que mais impactaram Léia quando ela começou a trabalhar. Embora aqui o fluxo seja menor, ela explica que os motoristas e os pedestres tomam decisões bem mais arriscadas. “Lá em Porto Alegre o fluxo é bem maior e as pessoas não se atravessam na frente dos carros como aqui, os carros lá têm pisca também”, conta aos risos.

ENCARANDO O PERIGO E O PRECONCEITO

Como muitas outras mulheres que trabalham como motorista, Léia conta que já teve que enfrentar preconceitos. Um passageiro mais velho, aparentemente “normal” como qualquer outro, entrou no carro e disse que não esperava ser levado a lugar algum na vida por uma mulher, pois sua esposa jamais dirigiria para ele, “o lugar dela é em casa”. Embora ofendida, Léia terminou a viagem e, assim que o homem desembarcou do veículo, disparou: “E aí? A mulher te levou no lugar certo?”. Contrariado, o cliente saiu e bateu a porta do carro. Algumas semanas depois, como que por punição divina ou simples obra do acaso, Léia conta que acabou reencontrando o mesmo homem em outra corrida, mas a reação dele não foi tão ruim desta vez.
A motorista conta que diversas mulheres que entram no seu carro para uma viagem acabam a parabenizando, especialmente pela coragem de enfrentar o preconceito e os riscos de ser assaltada, sequestrada ou até mesmo estuprada. “Eu não posso escolher, a gente não conhece o ser humano, né? Mas eu saio de casa todos os dias e peço a Deus que ele me leve e me traga bem pra casa”, diz confiante.
Situações de perigo também já assolaram os primeiros meses de Léia, que já foi obrigada a transportar traficantes sem que soubesse. Em uma ocasião um rapaz pediu que ela o levasse ao bairro Santa Vitória, na Casa de Saúde Ignez Moraes (Hospitalzinho), mas ao chegar em frente ao prédio ele solicitou que ela entrasse no bairro. “Ele disse que ia pegar um dinheiro quando saiu do carro. Eu vi que alcançaram pra ele alguma coisa, mas eu disfarcei pra não ficar olhando”, conta lembrando do momento de tensão. Léia ainda teve a coragem de conversar com o jovem e dizer que ele deveria ter contado que estaria entregando ou pegando algo. Por sorte ele apenas consentiu, mas a motorista nunca mais aceitou entrar no bairro com passageiros.
Para aumentar sua segurança em casos como este ou até piores, Léia utiliza um recurso oferecido pela Uber que permite que uma pessoa de confiança possa rastrear a localização de seu carro 24 horas por dia. Dessa forma, mesmo que seu marido esteja no trabalho, ele pode verificar a qualquer momento onde a esposa está caso ela não responda suas mensagens ou chamadas.

UM DOCE FUTURO

Ao ser perguntada como vê seu futuro, a motorista diz que não se vê para sempre atrás do volante, mas sim atrás do balcão, em sua própria confeitaria, um sonho que já viveu em Porto Alegre quando mais jovem, mas que precisou abandonar temporariamente. “Pretendo colocar uma aqui na região, porque sei fazer muita coisa boa. Quero uma confeitaria para fazer bombar o centro de Vera Cruz”, diz Léia muito bem-humorada.
Mesmo que conseguisse um emprego formal, com salário ou lucros garantidos no final do mês, Léia não pensa em deixar de ser motorista de aplicativo nas horas vagas, a atividade que, segundo ela, foi e continuará sendo um importante caminho para ajudá-la a alcançar seus sonhos e objetivos. Às mulheres que pensam em conquistar uma renda como motorista ela deixa um recado: “Tem que acreditar em si mesma, confiar e seguir tentando. Olhar pra frente e não pensar no mal, ele que fique pra trás!”.