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Duas faces do Natal

O Natal é hoje em dia mais a festa do Papai Noel do que a do aniversário de Jesus. O Papai Noel é aquele bom velhinho que nos leva a associar a felicidade de crianças, familiares, amigos e necessitados com os presentes que lhes proporcionamos. Essa concepção não é inteiramente ruim, pois dar presentes faz bem para quem dá e para quem recebe, mas é um evidente convite ao consumismo. E o principal: nada tem a ver com o aniversário de Jesus.
O aniversariante menino Jesus foi um menino pobre, nascido em uma cidade sem importância econômica e política (Belém), numa manjedoura (cocho), sem o mínimo conforto. Seus pais, Maria e José, não tinham estudos nem posses, e nas atuais estratificações sociais seriam provavelmente classificados na classe D.
Esse menino, segundo o relato dos Evangelhos, era filho de Deus. Sua chegada havia sido anunciada previamente por anjos a sua mãe e por eles confirmada a pastores no dia do nascimento. Jesus seria o Messias, o Salvador aguardado pelos judeus.
Cá pra nós: uma história difícil de acreditar, que só faz sentido à luz da fé. Então Deus teria submetido seu Filho a duras intempéries desde o nascimento? Com todo seu poder, não teria providenciado ao menos uma família de classe média para recepcioná-lo, com uma casa confortável, uma parteira experiente e condições de higiene condizentes com a época? E nascer numa manjedoura, símbolo de abandono?
Segundo a fé cristã, a vida de Jesus começou difícil e terminou pior, pregado numa cruz. Uma história de sofrimentos. Somos herdeiros de uma fé cujo centro é a vida e mensagem de um Salvador que não foi um super-herói, não castigou os maus nem premiou os bons com um simples olhar, não resolveu os problemas humanos mais complicados num passe de mágica. Jesus contrariou as expectativas de potência, força e glória que cercavam a expectativa do Messias entre os judeus, cuja maioria o rejeitou.
Afora alguns milagres, o que deu notoriedade a Jesus foi a sua mensagem de amor, de igualdade e de inclusão, dirigida em primeiro lugar aos pobres e aos fracos, com críticas duras aos ricos e poderosos, mas com abrangência universal: todos somos filhos do mesmo Deus, todos somos irmãos. As primeiras comunidades cristãs viveram essa mensagem na sua radicalidade: dividiam os bens entre todos, as mulheres eram tratadas com dignidade e não havia senhores nem escravos.
Essa mensagem foi revolucionária. Seu caráter universal possibilitou que o cristianismo se expandisse mundo afora, ultrapassando os limites de classes, de países e de culturas. Nessa expansão, a mensagem cristã foi sendo relida e reinterpretada. Muitas reinterpretações feriram o núcleo da mensagem original de Jesus. É o caso do Natal do Papai Noel. Esse tipo de comemoração nada tem nada a ver com a concepção cristã original.
Seria melhor se tivéssemos duas festas: a Festa dos Presentes, cujo símbolo seria o Papai Noel, e a Festa do Natal, comemorando o aniversário de Jesus.