Tenho descoberto com o trabalho de psicologia clínica que temos poucos momentos de nossa vida cotidiana que acolhem nossos sentimentos e anseios mais íntimos. É como se vivêssemos duas realidades: uma que dá conta do trabalho, dos afazeres do dia a dia, e outra que fica vagando, ansiando por se manifestar num modo de vida mais sensível e criativo. Haverá possibilidade de unir esses dois estados, essas duas dimensões? Como construir uma vida na qual o interno e o externo coexistam em sintonias, em sinfonias que façam despertar o desejo e a conexão pela vida, numa dimensão mais sagrada? O sagrado está na atenção e na valorização do viver.
Dedicar-se à psicologia, tanto enquanto psicólogos, quanto na busca pessoal por autoconhecimento, é um convite para ajustar essas diferenças que, para alguns, parecem inconciliáveis, como um caminho de permissão e valorização para escutar as vozes que clamam em nosso ser. E essas “vozes”, ou inquietações, são diversas para cada um e, ao mesmo tempo, assemelham-se, por meio de padrões arquetípicos, mesmo em diferentes culturas ou classes sociais. Nossas dores nos afastam e nos aproximam. Elas aparecem nas artes, nos consultórios psicológicos, nas buscas religiosas, na política, em toda a nossa existência. Portanto, cuidar de nossos anseios e sofrimentos é também valorizar nosso coletivo, é semear profundidade no cotidiano.
E o mais interessante é pensar que podemos criar e recriar nossas existências, nossas fantasias, de formas singulares, mas em conexão com nossa ancestralidade e com nossos referenciais coletivos, com mais paciência. Eis um trabalho que podemos fazer mais: o trabalho diário de esculpir nossa própria existência, de pensar e ouvir a dor de cada dia, o pesar, as dificuldades de levantar-se ou de adormecer como sinais da saúde querendo se manifestar, do novo querendo se instaurar, da criança querendo nascer. O novo pode estar no velho, o antigo pode estar no bebê. Tudo pode ser ressignificado, criado, imaginado e novamente pensado, num círculo ou numa espiral que me leva diretamente para meu velho dia a dia, para a terra que piso, para o trabalho que ocupo.
O espiritual é o encontro daquilo que parecia impossível, como juntar sentimentos ambíguos, realidades contrárias, o “oposto do que eu disse antes”, como na música ”Metamorfose ambulante”, de Raul Seixas, um lugar no qual o céu (e todos os sonhos que essa imagem provoca) e a terra se encontram, no corpo de cada um, na vida imaginada e vivida.
Convido para pensarmos na psicologia, como um caminho que cada um pode escolher, no seu espaço mais misterioso, temível e valorizado, como também nas estradas de um coletivo que fala e que nos transforma. Saudamos todos os psicólogos e aos que se dedicam ao trabalho de conhecer a si mesmo.
Ana Luisa Teixeira de Menezes – CRP 07345














