
Tiago Mairo Garcia
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“Eu me senti invadida na minha privacidade”. Com estas palavras, a vereadora e ex-presidente da Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul, Bruna Molz, destacou a situação de constrangimento que viveu ao ser assediada pelo ex-vereador e empresário, Hardi Lúcio Panke, na noite da última segunda, 17, durante a sessão da Câmara de Vereadores.
O caso veio à tona no início da manhã da última terça, 18, quando a vereadora usou a sua página na rede social para relatar o fato, ocorrido no plenário, minutos antes da votação das pautas na ordem do dia. Na publicação, Bruna relata, sem citar o nome, que um ex-vereador de Santa Cruz do Sul estava no plenário e teria pedido para falar com ela. Ao atender o pedido, imaginando que Panke iria se referir sobre um projeto de lei de interesse dele que estava na pauta, a vereadora foi surpreendida com um comentário com conotação sexual dizendo que gostaria de lhe dar um sutiã de presente. “Sentei na minha cadeira sem acreditar e ele, em vez de ir embora, continuou dizendo: (Fala de Panke): “tu é uma mulher muito bonita, com um corpo bonito, dai a gente precisa falar. Eu não acho que isso seja assédio, tem mulher que não gosta de ouvir que é bonita”, relatou a vítima na publicação.
Após o fato, Bruna voltou para a sua mesa e minutos depois, ainda dentro da sessão, a vereadora dirigiu-se novamente a Panke para tirar satisfações, momento em que o ex-vereador pediu desculpas a ela. “Me senti violentada, invadida. Nenhuma mulher merece ouvir essas coisas, nenhuma mulher merece passar por isso. E não, isso não é elogio. Isso é falta de respeito”, finalizou a vereadora na publicação.
O fato relatado pela vereadora na rede social rapidamente recebeu uma série de comentários e compartilhamentos e foi noticiado pela imprensa local. Em entrevista concedida para a imprensa, ainda pela manhã, Panke deu a sua versão onde negou ter cometido o assédio. No início da tarde, a vereadora foi até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), no Centro Integrado de Segurança, no bairro Arroio Grande, onde registrou o boletim de ocorrência. A reportagem tentou contato com a Deam que confirmou que o caso foi registrado como importunação sexual e que foi instaurado um “Procedimento Policial Específico” para apurar o fato.
Após registrar ocorrência na Deam, a vereadora Bruna Molz e o ex-vereador, empresário e líder comunitário, Hardi Lucio Panke, conversaram com a reportagem do Riovale Jornal e deram as suas versões sobre o ocorrido.
Vereadora Bruna Molz
Riovale Jornal – O que aconteceu na sessão?
Bruna Molz – Eu estava na minha mesa durante a sessão quando o ex-vereador veio falar comigo. Eu me levantei e fui até ele achando que ele queria falar sobre um projeto de lei de interesse dele. Para a minha surpresa, ele disse que queria me dar um sutiã de presente. Eu, incrédula, olhei para os meus colegas e perguntei de novo o que ele tinha falado e ele repetiu que queria me dar um sutiã de presente. Eu disse para ele que não queria sutiã de presente e se meu noivo estivesse aqui, te daria um soco na cara. Ele continuou falando que mulher bonita tem que ser elogiada, que ele foi na psiquiatra, que é bem bonita e ele elogiou ela uma vez, mas que ele não via isso como assédio, que mulher bonita como eu gosta de receber elogio e eu disse para ele que eu não gosto. Ele tentou mudar o assunto e saiu de perto. Eu olhei para os meus colegas e disse que isso não aconteceu, pois tu fica em estado de choque. Comecei a digerir e a pensar nisso e me deu uma raiva, que achei que ia explodir na minha cadeira. Eu fui atrás dele tirar satisfações e pedi para ele nunca mais chegar perto de mim para falar qualquer tipo de coisa, pois isso é uma falta de respeito. Ele começou a rir e me disse que eu era louca. Voltei para ele e perguntei, eu sou louca e tu vai rir ainda? A discussão começou a chamar a atenção do público e ele veio me pedir desculpas.
RJ – A discussão chegou a ser captada pelas imagens da sessão?
Bruna – Eu pedi as imagens das câmeras. Isso aconteceu antes da votação dos projetos.
RJ – Como você se sentiu ao ser tratada desta forma no seu ambiente de trabalho?
Bruna – Me senti muito mal, um pedaço de carne. Diariamente é uma luta contra isso. Essas piadinhas invasivas, investidas, comentários, que eles acham que é um elogio e não é um elogio. Vivemos em uma sociedade completamente machista e hipócrita que os homens acham que não foi nada. Não, isso não está certo. Eu não sou obrigada a ouvir um homem, que não tem intimidade nenhuma comigo, dizendo que vai me dar um sutiã. Se um familiar me fala isso, acho que eu me ofenderia, quem dirá um estranho. Eu me senti muito mal porque eu me senti invadida na minha privacidade.
RJ – Por que você decidiu expor o fato na rede social antes de realizar o boletim de ocorrência na Delegacia?
Bruna – Eu quis expor para passar a minha raiva. É uma maneira que quando eu estou brava, eu escrevo. E também para os homens entenderem que as mulheres não querem ouvir elogios, eu não perguntei a opinião. Têm homens que pensam que podem chegar e falar coisas, eu não quero saber se tu me acha bonita, acha o meu corpo bonito. A intenção de divulgar o que aconteceu é para acordar a sociedade que acha que é normal, pois isso não é normal e também para encorajar outras mulheres a registrarem contra os infratores.
RJ – Você recebeu alguma pressão política pelo fato publicado nas redes sociais envolver um ex-vereador integrante de outro partido político?
Bruna – Não, nenhuma pressão. Na minha página na rede social eu não citei o nome dele. Teve um portal da imprensa que citou o nome dele e foi atrás dele e ele negou, dizendo que só tinha me elogiado e não tinha falado nada sobre o sutiã. Isso me revoltou a ponto de vir registrar ocorrência, pois eu estava pensando, visto que nós discutimos na Câmara e ele me pediu desculpas. Estava pensando se viria registrar, mas com essa fala dele, não tive dúvidas que teria que registrar ocorrência, pois além de toda a ofensa e constrangimento, ainda estava me colocando como mentirosa, o que é um absurdo.
RJ – Essa situação na imprensa que te motivou a fazer o boletim de ocorrência?
Bruna Molz – Não só da imprensa, porque isso é o certo. Hoje estamos acostumados com piadinhas, que tu mesmo começa a pensar será que eu sou culpada? Será que estou errada? Será que eu sou a louca? Quando eu expus, muita gente me incentivou a fazer e vi que era o certo.
RJ – Com toda essa situação repercutida e após você ter feito o Boletim de Ocorrência, como você se sente?
Bruna – Eu estou muito mal. Não é uma coisa boa e infelizmente vi comentários que eu estava querendo mídia em época de eleição. Eu preferia não ter essa mídia. Para quem é de fora e não é mulher, é difícil de se colocar no lugar, e para quem é mulher e já passou por isso sabe o nojo, a gente se sente suja, eu me senti invadida e passou várias coisas pela minha cabeça. Senti a minha privacidade invadida no momento em que veio um estranho me oferecer um sutiã. Eu estou me sentindo muito mal com tudo isso. Só quero que as pessoas usem isso de exemplo para que não façam. Se quer fazer um comentário, fica para ti. Para que tu vai lá falar para a mulher que ela é bonita em um local público, sabendo que eu sou uma pessoa pública. Eu estou ali para trabalhar e exercer o meu mandato de vereadora e não para ouvir elogio, que ele acha que foi um elogio, mas não foi, para mim foi invasivo.
RJ – Qual as providências que você pretende tomar?
Bruna – Eu registrei o Boletim de Ocorrência e vou oficiar o presidente da Câmara (de vereadores) sobre o fato que aconteceu e pedir a ele mais segurança na área restrita para vereadores e assessores. Infelizmente ele estava ali, mas não deveria estar, sendo mais um motivo para pedir mais segurança.
RJ – Com o teu gesto, o que você teria a dizer para as mulheres?
Bruna – Peço para as mulheres não ficarem quietas, irem para cima e que se acontecer situações semelhantes a esta, para não levar na brincadeira, que isso não é brincadeira e não é normal. Temos que parar de pensar que isso é normal. Esse tipo de comentário não é o que a mulher quer ouvir. Quero ouvir elogio do meu noivo, meu marido e não quero ouvir de outras pessoas. Isso é invasivo e não é normal e as mulheres precisam denunciar.

Hardi Lúcio Panke – Ex-Vereador e empresário
Riovale Jornal – O que aconteceu na sessão?
Hardi Panke – Tinha um projeto das agroindústrias e fomos lá para acompanhar a votação. Eu fui em vereador por vereador para auxiliar sobre qualquer dúvida relacionada a matéria e esclarecer a título de incentivo. Fui até a vereadora Bruna e disse que ela estava bem bonita e dei os parabéns. Após, fui ao que interessa e passei a falar do projeto e perguntar se ela tinha alguma dúvida. Eu não sei o que houve que ela surtou e aí me retirei, pois o que me interessava era a votação do projeto. Era só isso.
RJ – A vereadora se manifestou nas redes sociais acusando o senhor de assédio. Como o senhor recebeu a acusação?
Hardi – Quem me conhece a vida toda sabe que eu sempre procuro elogiar as pessoas, isto faz bem para o ego e ela interpretou para o outro lado. É isso que eu tenho a declarar.
RJ – O senhor nega que tenha cometido algum assédio ou proferido algum comentário mais intimo com a vereadora?
Hardi – Eu só elogiei ela e ela levou para o outro lado. Foi isso que aconteceu.
RJ – A vereadora relata que o senhor teria oferecido um sutiã de presente para ela. Isso aconteceu?
Hardi – Isso não aconteceu. Eu sou casado há 35 anos, pai de família e não tenho porque fazer isso. Quem me conhece, sabe que sou uma pessoa séria. Não fui lá para criar caso e sim para promover o auxílio para as agroindústrias que o executivo mandou agilizar. Não sei porque ela fez isso para denegrir a imagem de uma pessoa que procura sempre fazer o bem e o melhor para uma comunidade. Jamais quis denegrir a imagem dela e pelo contrário, eu elogiei ela, elogiei o que é belo e acho que não é nenhum crime elogiar uma pessoa. Isso é de praxe na minha vida, mas tem gente que não sabe entender e tem uma outra interpretação. Cabe salientar que tratei todos os vereadores com todo o respeito e educação e isso não constrói nada o que está acontecendo. Quero ser sucinto e foi isto que aconteceu.
RJ – O senhor pretende se defender criminalmente e processar a vereadora?
Hardi – Isso quem vai cuidar é o jurídico e determinar os próximos passos. Eu não ofendi ela em nada, só elogiei, não ofendi ela em público e ela achou isto grave e está no direito de processar. Se ela registrou, a gente vai se defender. Jamais quis ofender ela, bem pelo contrário. Para ela o elogio foi mal interpretado e para mim, elogio faz tão bem para o ego. Quem nada fez, não teme nada. Estamos aí para esclarecer e para se ter um mundo melhor e procurar sempre fazer o bem, pois jamais procurei denegrir a imagem dela.
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher repudia o caso
Ouvida pelo Riovale Jornal, a advogada, procuradora especializada da mulher na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Santa Cruz do Sul (CMDM), Nicole Weber, classificou como lamentável o caso ocorrido na Câmara de Vereadores contra a vereadora Bruna Molz. Nicole frisou que foi importante a vereadora expor a situação para conscientizar as mulheres a denunciarem estas situações. “A importunação sexual é algo velado. Ela estava no lugar de trabalho e uma pessoa estranha chegar falando sobre o sutiã foi algo completamente abusivo. Só ela sabe o incomodo que sentiu”, disse a advogada.
Nicole frisou que a exposição do caso é importante para ampliar o debate sobre o assunto, visto que o problema é bastante comum nos mais diferentes lugares. “É um problema comum, porém, nos últimos tempos, as mulheres têm tomado coragem em denunciar. No caso da vereadora, a pessoa pública tem visibilidade e responsabilidade e o ato de registrar a ocorrência sobre este fato deve inspirar outras mulheres a fazerem o que é o certo”, finalizou.
Câmara emitirá portaria para regrar circulação
O presidente da Câmara de Vereadores, Elstor Desbessel, lamentou o fato ocorrido na última segunda, 17, entre a vereadora Bruna Molz e o ex-vereador Hardi Lúcio Panke. Desbessel frisou que tomou conhecimento sobre o ocorrido pela própria vereadora ainda durante a sessão. “Conheço os dois e só tenho a lamentar que isso tenha acontecido”, disse o presidente.
O chefe do Legislativo confirmou que nunca havia ocorrido nada parecido na casa. “Já tivemos reuniões tensas, mas sempre com respeito entre todos”, destacou. Assim que a vereadora Bruna Molz protocolar o ofício solicitando mais segurança nas dependências da Câmara, Desbessel confirmou que irá emitir uma portaria para estabelecer um regramento específico sobre a circulação de pessoas na casa. “Cada um precisa saber o seu espaço e teremos que tomar medidas mais enérgicas para que situações como esta não voltem mais a acontecer”, finalizou.
Em nota, o vereador Mathias Berfran e o PTB se solidarizaram com a vereadora. “O partido se solidariza à colega do Legislativo. Lamentamos que tais fatos ainda ocorram em nossa sociedade e sempre estaremos alertas para que situações como estas não se repitam, porém, sem aumentar a distância entre Poder Legislativo e população”, encerrou a nota, enviada pela assessoria do vereador Mathias Berfran.














