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Voto: direito e responsabilidade moral

Há afirmativas que são simpáticas e aparentam carregar uma verdade. Nos últimos anos, por exemplo, a ideia de que “o voto é um direito, não um dever” vem ganhando mais e mais adeptos. O voto facultativo é apresentado como uma proposta democrática.
Essa é uma meia-verdade. O voto não pode ser considerado apenas um direito. Não é democrática a ideia de que “eu voto se eu quero e ninguém tem nada com isso”.
Vejamos. Se votar for considerado tão somente um direito, o que aconteceria na hipotética situação em que, por falta de interesse, ninguém mais fosse votar? A consequência seria a erradicação do voto, com o fim da democracia representativa. Em seu lugar viria algum sistema autoritário, como um regime monárquico ou uma ditadura militar.
Nessa situação hipotética, após ter sido implantado um regime autoritário bastaria dizermos que “não aproveitamos um direito”? Ou seríamos bem mais severos conosco mesmos e diríamos que “falhamos ao não cumprir uma responsabilidade moral” que tínhamos com a democracia?
Uma democracia forte só é construída quando o voto e a participação política são entendidos tanto como um direito como uma responsabilidade moral. A premissa correta é que a todo direito corresponde uma responsabilidade. Direitos não se mantêm no vazio; dependem de responsabilidades assumidas no contexto da comunidade política.
Responsabilidade moral é algo diferente de dever legal. A moral é o fundamento da lei, e a lei deve ser o corolário da moral. Hoje no Brasil, a obrigação de votar é entendida apenas como um dever legal. Quem não vota pode ser punido com multas, proibição de inscrever-se em concurso público, de fazer passaporte, etc. Essas punições provocam receios, mas não mexem com o que é fundamental: a consciência cívica de cada cidadão, o senso individual de responsabilidade.
A mudança a ser feita é tornar o voto uma obrigação moral de cada cidadão, mas sem punições a quem não vota. A lei deve apoiar a construção de uma nova cultura, que considere “pecado” omitir-se de votar, produzindo um sentimento de culpa. As punições devem ser morais: quem não votar deve ser questionado nas salas de aula e nas reuniões de família, ser censurado pelos amigos, ser pressionado no local de trabalho, admoestado nos cultos religiosos.
Enquanto as punições legais atuais geram receio e insatisfação, as punições morais irão à raiz do problema, que é a consciência cívica de cada cidadão.
Olhar o voto só como direito acaba por reforçar o viés individualista, liberal, que nada tem de progressista. Olhar o voto como direito e como obrigação moral (a perspectiva republicana e comunitária) é próprio de quem assume a sua parte na construção da democracia participativa e deliberativa.
Acabar com o voto obrigatório no Brasil não deve ser feito de modo a reforçar a visão individualista (eu voto se eu quero e ninguém tem nada com isso). Manter o voto como um dever moral, sem punições legais: esse é um caminho promissor para fortalecer a democracia.