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Mulheres são como maçãs?

(Carta a Machado de Assis)
Mulheres são como maçãs. As melhores pertencem aos homens mais atrevidos, mulheres são como maçãs em árvores. As melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. Assim as maçãs do topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade eles estão errados. Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar, aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore.”
Joaquim Maria Machado de Assis 

Machado de Assis (1839-1908) foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, e um dos maiores escritores de todos os tempos, entre todas as línguas.

CARTA
Santa Cruz do Sul, 10 de outubro de 2011.
Prezado Joaquim:
Gostaria de te escrever esta carta quando você ainda conseguiria lê-la e, se fosse o caso, respondê-la, mas infelizmente você não está mais entre nós. Tua obra sim. E por estar viva tua obra, e a Academia Brasileira de Letras ter te declarado de certa forma imortal, sinto certo conforto em te escrever.
Venho aqui referir-me ao teu texto intitulado Mulheres são como Maçãs. Nele você cita as “melhores mulheres” fazendo analogia a maçãs no topo das árvores. Não sou letrado como você, nunca escrevi um livro. Mas, meu caro, também conheço mulheres ma-ra-vi-lho-sas, e isto me credencia a comentar tua definição sobre o tema.
Analisando teu texto, imagino que, no teu tempo, olhar uma bela mulher fazia parte dos procedimentos pré-operatórios. Parece que os homens ficavam anestesiados. Hoje não somos assim, talvez por conta da evolução da espécie, ou porque temos ótimos medicamentos anestésicos. Mas às vezes perdemos o prumo diante de uma “quasedeusa”, e ela sempre percebe isso. Você fala que não queremos tocá-la por medo de cairmos e nos machucarmos. Eu te diria que se nos julgarmos merecedores do seu encanto e ainda assim nos machucarmos, a cicatriz será como a tatuagem de uma grande lembrança.
No texto você cita também as “maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de conseguir”. Não sei se você estava sóbrio quando escreveu isto, mas, por gostar de você, prefiro imaginar que não. Mulheres que são “conseguidas” não o são por serem fáceis, e não é o chão o lugar delas. Desculpe, Joaquim, mas suponho que tua mãe não tenha sido “conseguida” por ficar no chão ou ser fácil. A minha também não. Assim, também não são as mães das mulheres maravilhosas, ou menos maravilhosas, nem as dos homens, nem das crianças.
Conheço mulheres completas, mas as incompletas também têm luz própria, e brilham do seu jeito. Conheci um poeta que você não conheceu, que não era do teu tempo. O nome dele é Mario Quintana. Ele disse que as mulheres não nasceram para amar, mas para serem amadas. Se no teu caminho você encontrou mulheres no chão, espero que as tenha levantado com carinho.
Você cita que “as maçãs do topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade são os homens que estão errados”. Agora me dobro à tua sabedoria. Existem homens de qualidade, mas são escassos para suprir a demanda da “safra”. Há uma escassez de gentilezas, de atitudes elegantes, de gosto apurado, de fineza. Mas algumas “maçãs” acostumaram-se ao topo, reservando ao sol das manhãs e ao orvalho das noites, o mistério do seu veludo. Talvez a esta posição se deva esta especial mistura de adstringência e doçura, como veneno e cura. Ser par desta dualidade não é atitude para qualquer um. É para poucos.
Sei que você não me conhece. Muito prazer. Meu prato predileto? Chicle. Mordo e mastigo tudo, mas só engulo o que me convence. Só uma parte do teu texto me convence. Mas te entendo inteiro. Sei como é a vida. Você deve ter escrito este texto próximo da idade em que escreveu teu primeiro romance, Ressurreição. Ainda bastante jovem. Entendo teus deslizes, e ainda assim te admiro. Continuarei sendo sempre teu admirador e, pelo conjunto da tua obra, quero te dizer…

Parabéns! Um abraço!
Um dia vamos nos encontrar.
Marion