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A faca que corta

Como bom filho da Fronteira, sempre me esmerei em ter uma faca Solingen, aço alemão, para exibir nas cercanias das churrasqueiras. Mas se há uma coisa que nunca aprendi foi a afiá-las. De maneira que perdiam eficiência com o tempo.

Já meu sogro, Odilo José Tirelli, venâncio-airense, descendente de italianos e aposentado do Banco do Brasil, aparecia sempre com aquelas facas de inox que os clientes empresariais distribuíam de brinde no final do ano, só que bem afiadas.

Aos poucos, minha Soligen ia ficando de lado, enquanto ele, que também dominava a churrasqueira, partia os pedaços de carne sem qualquer cerimônia sobre superfícies de metal ou raspando o fio frontalmente contra o espeto metálico. Até a lembrança do ruído que fazia já me dá arrepios. Mas ele fazia aquilo sem dor nenhuma, certo que depois poderia deixar a metade da faca em algum esmeril da vida.

Hoje que ele partiu, me detive a pensar nas histórias que contava com uma riqueza incrível de detalhes, especialmente nos almoços de sábado. Desde o internato no Colégio São Luís, em Santa Cruz do Sul, o primeiro emprego de auxiliar de contabilidade, o Banco da Província e depois o Banco do Brasil, em que fez carreira, passando por Santa Cruz do Sul, Lajeado, Caxias do Sul e Porto Alegre. Chegou a gerente geral da Ag. Porto Alegre Centro, que na época desempenhava também as funções de superintendência estadual. Por onde passava era rapidamente identificado como alguém que trazia a solução. Não era de natureza reflexiva, a resposta para um problema nunca era outra questão, mas a ação voluntariosa, habilidosa e objetiva. No entanto, um leitor voraz, sempre a par dos fatos do Brasil e do mundo, motivo pelo qual foi atormentado pela lucidez até os últimos dias.

Essa era sua maneira. Foi provedor de uma bela família de dois filhos e duas filhas, sendo uma delas minha esposa. Quando passou a ser mais valorizada a obtenção de nacionalidade italiana, por exemplo, para acesso não só à Itália como também à União Europeia, e começávamos a comentar sobre o tema, ele já tinha entrado com o processo, já tinha corrigido o nome de ascendentes e em seguida as minhas filhas obteriam a dupla cidadania. Sua participação em nossas vidas sempre foi nessa pegada, a solução tempestiva de problemas objetivos. Por isso, às vezes era ríspido, mas também agregador em seu espírito de família, muito característico da tradição italiana.

Quando fomos apresentados, eu tinha dezenove anos e olhei para ele com minha cara de “não sei bem, acho que música” e ele me olhou com cara de “vai fazer um concurso”. Ele venceu, acho que para o meu bem. Continuamos sempre muito diferentes, o que não foi obstáculo para desfrutarmos ótimos momentos em família e compartilharmos bons vinhos, normalmente por conta dele.

Como disse Joe Black (Brad Pitt) a Bill Parrish (Anthony Hopkins), na bela película Encontro Marcado, “teve uma vida de grande valor prático”, para si e para todos os que o cercavam.