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A montanha pariu um rato

Há uma célebre frase atribuída a Apparício Torelly, autodenominado Barão de Itararé, “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.

Sabidamente no futebol o ultraconservadorismo impera. Jovens egressos da periferia, com histórico de pobreza, miséria, fome, vítimas do preconceito e da discriminação, objeto de exclusão social, rapidamente começam a ganhar salários que nem nos mais fantasiosos sonhos imaginavam um dia alcançar.

Passam a frequentar círculos sociais que os toleram pelo que podem proporcionar. Para os vizinhos nos condomínios de luxo em que vão morar, não deixam de ser tidos como ex-favelados, negros, emergentes, novos ricos. Seus familiares e antigos amigos são vistos com desconfiança, se não com desdém.

Nos restaurantes e lojas são cortejados pela capacidade de consumo. Pelos empresários/agentes são minas de ouro. No exterior, não deixam de ser brazucas, latino-americanos.

Por necessidade de aceitação, para déficit de formação cultural, educacional ou pela ausência de um entorno politizado e consciência de classe; fato é que, em regra, tendem a assimilar os valores das elites, desprezam a condição de referência e a saga percorrida para lutar em prol das demandas populares. Acham que basta “salvar” os seus e praticar atos de caridade. Estes últimos, maquiados por planejamento tributário e marketing pessoal.

Não se posicionam diante da injustiça social. Não opinam sobre demandas caras aos morros e vilas. Não se vê engajamento. Quando o fazem, apenas replicam “lugares comuns” na fala da direita, irradiando interesses e valores que não são da sua classe de origem. Nos últimos anos, piorou, alinharam-se alguns à extrema-direita.

Em suma, repousam alheios à realidade do País, a alienação os faz estrangeiros em seu próprio País.

A própria camiseta da seleção brasileira foi capturada como instrumento político. Os “Donos do Poder” de Raymundo Faoro se apropriaram de algo que era de todos, em nome de um moralismo, não raras vezes da boca para fora.

Entre os treinadores, dirigentes e a crônica esportiva destacam-se narrativas, comportamentos e discursos dóceis ao poder econômico. No RS, o reacionarismo majoritário é assustador – não surpreendente.

Claro que há exceções, poucas é verdade, mas há. Como não lembrar de João Saldanha (o João sem medo) peitando o ditador Médici, do atleticano Reinaldo e seu simbólico punho cerrado a cada gol que marcava, da Democracia Corinthiana de Sócrates, Wladimir, Casagrande e Adylson Monteiro Alves. Mais recentemente o técnico Lisca tem questionado os consensos estabelecidos. No plano internacional, o melhor exemplo neste aspecto deu Maradona.

Por tudo isso, numa mescla de ceticismo e ilusão, recebi a ameaça de boicote à CoVa América como um suspiro de lucidez no ambiente do futebol. Em verdade o arremedo conspiratório era à decisão insensata e nociva do governo federal de, em meio a uma pandemia que não arrefece, matando quase meio milhão de pessoas, se oferecer como sede (recusada por outros países) para o mambembe torneio continental e, assim, receber delegações de atletas, dirigentes, comissões técnicas, convidados e imprensa, milhares de pessoas – se expondo e nos expondo a um risco maior de contaminação e óbito.

No entanto, qual amores de verão levados pelas águas de março, viu-se que a pressão dos potentados e a conveniência dos negócios falaram mais alto.

A falta de coragem, as amarras protagonizadas pelos vínculos e a ausência de desprendimento, sufocaram aquele que seria um grito de lucidez. Manifesto nem sempre é atitude, não revela bravura ou empatia.

Nossos selecionados não tiveram forças para apelar ao bom-senso, dizer um NÃO ao extermínio que atinge nossa população e fazer ecoar que o momento exige algo preponderante: salvar vidas!

Vale para eles o que Otto Lara Rezende teria dito: “o mineiro só é solidário no câncer”. É triste e devastador ver que o brasileiro não é solidário nem numa pandemia (quiçá num câncer)!

Poderiam ter entrado para a história. Agora serão julgados por ela!