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Direitos e responsabilidades: escapar da armadilha individualista

A ideia de cidadania está associada aos direitos. Direitos civis, políticos e sociais, na conhecida classificação de Thomas Marshall, conquistados a partir de lutas sociais nos últimos duzentos anos. O seu reconhecimento e implementação através de políticas públicas é definidor da democracia social.
Mas o foco exclusivo nos direitos é enganoso. Distorce o que a democracia pode e o Estado podem nos proporcionar. A democracia não vive apenas de direitos. A contraface dos direitos são as responsabilidades, os deveres.
A linguagem unilateral dos direitos expressa uma concepção liberal e individualista, não uma visão social. Engana-se quem pensa que isso seja uma concepção crítica ou de esquerda. Essa linguagem é própria de quem vê o Estado como um mal necessário (como o liberalismo) ou só enxerga o próprio umbigo. Não serve para quem defende ideais de bem estar.
Muitas lideranças, bem intencionadas, continuam utilizando a linguagem exclusiva dos direitos. Difundem a visão de que o povo deve cobrar os direitos estabelecidos pela Constituição e que o problema está no Estado que não os garante. E não são poucas as lideranças queembarcam no discurso da redução do tamanho do Estado, da diminuição abrupta dos impostos e assim por diante. Sempre mais direitos e sempre menos Estado? Qual é o milagre que se espera dessa equação?
A equação correta é: para cada direito, uma responsabilidade; para cada serviço, seu custo. Uma parte é a contrapartida da outra. Se queremos muitos serviços prestados pelo poder público, o Estado precisa ser relativamente grande e cobrar relativamente alto para cobri-los. Não há mágica. É o que temos nos Estados de Bem Estar europeus e das nações desenvolvidas.
Isso vale não só para a política. Vale para as escolas, universidades, associações e entidades. Um serviço só pode ser prestado se há receitas que cubram os custos. Como diz o jargão: não existe almoço grátis! Mesmo quando há trabalho voluntário, há custos. Entender isso é fundamental para entender o terceiro setor, algo bem mais complexo do que trabalho voluntário.
Nos Estados Unidos, o movimento comunitarista afirmou na década de 1990 a necessidade de uma espécie de “moratória de direitos”, pois o ambiente político, acadêmico e das organizações civis nas últimas décadas está contaminado pelo viés das reivindicações sempre maiores, sem nenhuma ênfase nas obrigações e responsabilidades de todos. Retomando e atualizando os ideais republicanos, os comunitaristas insistiram em algo que deveria ser óbvio: na democracia, direitos e responsabilidades formam um par inseparável.
O alerta vale também para nós. É hora de afinar o discurso público. Deixar de fazer de conta que se pode ter tudo sem assumir contrapartidas. Direitos não subsistem no ar. A bandeira do Estado de Bem Estar precisa de uma mensagem clara: distribuir riquezas é necessário, proporcionar serviços públicos a todos é possível, respeitar os direitos individuais é obrigação, mas tudo isso só se viabiliza quando todos assumem responsabilidades.
Quem só reclama e quer mais ainda não entendeu essa mensagem.