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O que foi aquilo?

Se tem um País que adora datas, esse País são os Estados Unidos. 11 de setembro, 11 de novembro, 17 de março, 4 de julho e assim por diante. Creio que 6 de janeiro se qualifica para integrar essa lista de dias ilustres que lembram glórias, tristezas, tragédias ou vagamente simbólicos como o dia de ação de graças. Os perus que o digam. No entanto, sobre o sexto dia deste, ainda está um pouco indefinido pelo que deveria ser lembrado. Ele mudou o rumo da história recente daquele País, mas qual é o fato mais relevante a partir do qual um escultor poderia criar a imagem que seria instalada sobra grama cuidada de algum parque?

Sabemos que as eleições na Georgia, Estado sulista e conservador, tradicionalmente dominado pelo Partido Republicano, foram surpreendentemente favoráveis ao Partido Democrata, que obteve as duas últimas cadeiras no Senado. Assim, com a adesão de outros dois senadores independentes mais o voto de minerva da vice-Presidente Kamala Harris, o PD passou a dominar o Senado. Este junta-se à Câmara dos representantes e o Executivo, também dominados pelos Democratas, e desenham a grande derrocada do Partido Republicano. Mas a mera alternância no poder, por si só, não ensejaria um grande fato histórico não fosse a forma como o Partido Republicano encontra-se sitiado pelo supremacismo() hoje representado na figura de Donald Trump.

A economista e consultora do Banco Mundial, Monica Baumgarten De Bolle, estava em Washington D.C., onde reside, e durante o toque de recolher decretado naquele dia gravou em seu canal do YouTube uma interpretação do momento que destoava do enfoque sobre os fatos dado pela imprensa de um modo geral. A narrativa preponderante era de um levante popular trumpista e até uma tentativa de golpe de Estado; uma manifestação de força, com a invasão do Capitólio. Em determinado momento de sua fala, no entanto, de Bolle diz: “tirem o som da tv, silenciem os comentários e prestem atenção às imagens”. E assim fiz.

O que se via eram grupos supremacistas em ato desesperado, “o supremacismo estrebuchante”, como classificou. O fato jornalístico priorizado, a invasão do Capitólio, e as respectivas análises tangenciavam o que de mais importante acontecera, que foi a vitória na Geórgia, terra de Martin Luther King Jr., do movimento político liderado pela advogada, escritora e ativista negra Stacey Abrams. São dez anos de ativismo em que conseguiu reunir latinos, brancos empobrecidos e outras minorias tendo à frente os movimentos negro e feminista. O que já havia sido o principal fator da virada das eleições presidenciais naquele Estado.

Assim, o ícone para gravar o dia 06 de janeiro na história dos EUA, não poderia representar o infame ataque à democracia desferido por um grupo perdedor e desesperado, mas a derrota final do supremacismo americano sob a força dos movimentos feministas e de igualdade racial. () Ideologia que defende a supremacia ou superioridade de um determinado grupo de indivíduos, com base em sua cultura, gênero, orientação sexual, raça, religião, etc., e que reclama para os seus membros o domínio político, social ou religioso dos restantes indivíduos.