Aqueles braços varriam o mundo. Quebravam-se as costas para que eles [os braços] deixassem brilhosos os chãos que as mãos – tocadas por eles – esfregavam. E tudo feito de maneira impecável para os sapatos lustrosos desfilarem e, imperceptíveis, acreditarem até em mágica (que a coisa se limpava sozinha sob seus pés).
Naquele tempo eles não tinham instrução formal, na verdade ainda não têm. Foram lapidados pelas circunstâncias em que empregadas domésticas não precisavam disso. Contudo, o que os cegos não viam era que eles eram braços de mãe. Tinham musculaturas envergadas pela indiferença social e renovadas pelo amor que, forte, abraçavam os seus.
Aqueles braços, uma vez por mês, levavam um iogurte a seu filho caçula na escola. Traziam com eles felicidade para os seus irmãos olhos, que sabendo que era tudo o que tinham para ofertar, chamavam o pequeno em meio a uma aula primária que, possivelmente, ensinavam tanto quanto o esforço de provocar um sorriso no rosto daquele garotinho.
Em casa, já na mesa, o guri percebia-os rodopiando uma colher enorme dentro de panelas surradas. Não sabia do dia que passara passarinhando as asas, que despenadas se perdiam no pouco céu escondidos para que seus bracinhos finos não sofressem.
De um lado as mãos “judiadas” de seu marido pediam para passar uma “mistura”; de outro, o olhar perdido da filha acompanhavam o que seu maninho ainda não sabe ler. E os braços – ah, os braços! – rodavam a mesa, estimulando a boca a perguntar se o dia tinha sido bom para todos. Mas e quanto a eles? Isso não perguntavam. Estavam protegidos por aquela redoma de abraços edípicos e mascarados de “sou-de-ferro”. Não eram.
Pena que aqueles membros superiores (ao pé mesmo da palavra) não tinham o que, naquele futuro imprevisível, deu aos ouvidos do filho – surpresos –, que a formação adquirida por eles naquele “entre-lugar” simples e de poucas letras, nada tinha de errado. Cacos ouvidos de um professor de sociologia maluco que – melhor do que aquele guri – soube analisar e respeitar as lutas travadas por aqueles braços analfabetos e dignos.
Enfim, o que seria do mundo sem as peles marcadas daqueles membros que, unidos em um amor silencioso, ainda cochicham orações sempre que seus filhos saem para suportar aquele mundo que os algemou? Não se sabe. Tudo que preciso saber é que nunca haverá nada mais digno do que os braços de minha mãe…