Início Cultura Bicentenário da Indepedência: Como a data comemorativa foi escolhida

Bicentenário da Indepedência: Como a data comemorativa foi escolhida

Dificuldade em relatar a declaração de independência alterou a celebração para 12 de outubro

Dom Pedro I, na obra de Manuel de Araújo Porto Alegre, de 1826 (Crédito: Divulgação/Museu Nacional)

Você sabia que já existiram duas datas para a comemoração da Independência do Brasil? O 7 de setembro, quando a independência foi de fato proclamada, e o 12 de outubro? Dom Pedro I proclamou a independência em 7 de setembro de 1822, isso todos os brasileiros já sabem. Mas, na época, não. Com a dificuldade de propagação das informações pelo gigantesco território nacional, a maioria das pessoas não ficou sabendo disso no dia, nem sequer no próprio mês de setembro.


A população em geral só ficou a par das boas-novas em 12 de outubro do mesmo ano, data do começo do reinado de Dom Pedro I como imperador do Brasil e também o dia do aniversário de 24 anos dele. Isso mesmo, quando proclamou a independência, ele era muito jovem, tinha apenas 23 anos.


Quando Dom Pedro I abdicou do trono em nome do filho, em 1831, para voltar a Portugal, não fazia mais sentido comemorar sua coroação de 12 de outubro. A ideia então era passar a celebração para o dia 2 de dezembro, data de nascimento de Dom Pedro II. Mas, como na época ele era um menino de apenas 6 anos, que não assumiu o poder de fato, a data não pegou. Foi só aí que o 7 de setembro retomou a força e se consolidou como o Dia da Independência do Brasil.

Como o grito do Ipiranga foi retratado
“Independência ou Morte”, também conhecido como “O Grito do Ipiranga, é o quadro que retrata o momento único da ruptura entre Brasil e Portugal. Mas a pintura de Pedro Américo foi feita anos depois da independência e com muita dose de imaginação para recriar a história brasileira.


O paraibano Pedro Américo de Figueiredo e Melo já era um pintor consagrado aos 45 anos de idade. Tinha estudado arte na França e vivia na Itália, quando foi escolhido pelo governo brasileiro para pintar o quadro do momento histórico do Grito do Ipiranga. A obra de grandes proporções tem 4 metros de altura por 7 metros de largura e está no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, também conhecido como Museu do Ipiranga.


No entanto, a pintura foi feita em 1888, 66 anos depois da independência do Brasil, quando ninguém mais estava vivo para contar como realmente tinha sido o cenário às margens do Rio Ipiranga. Pedro Américo quis fazer do momento histórico de 1822 uma cena gloriosa e solene para Dom Pedro I. E, claramente, buscou inspiração no quadro do francês Jean Louis Ernest Meissonier, que retratava Napoleão Bonaparte na Batalha de Friedland de 1807. A obra francesa foi pintada em 1875; a do brasileiro, apresentada na Academia Real de Belas Artes de Florença, na Itália, 13 anos depois.


Há várias licenças poéticas na obra, inclusive o fato de substituir as mulas por cavalos de raça. Os guardas não estavam usando uma farda tão pomposa. Os Dragões da Independência só adotaram o uniforme da pintura mais de 100 anos depois. Mesmo assim, o retrato oficial da independência do Brasil passou a ser o quadro de Pedro Américo, como se tivesse sido capturado no momento exato, às margens do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822. E pelo trabalho, o pintor ganhou 30 contos de réis do Império. Sinal de que sua idealização agradou em cheio o imperador Dom Pedro II.

Pintura foi feita 66 anos após o momento emblemático (Crédito: Divulgação/Museu do Ipiranga)

A influência da princesa Leopoldina
A independência do Brasil é um fato histórico diretamente ligado à ação de Dom Pedro I. É isso que todos aprendem na escola. Mas, por trás da decisão do príncipe regente, a influência da princesa Leopoldina também foi determinante. As cartas que ela enviou ao marido foram o pontapé final para a ruptura entre Brasil e Portugal.


Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo era uma princesa austríaca que desembarcou no Brasil em 1817, aos 20 anos, para consumar o casamento com o príncipe regente Pedro I, da dinastia portuguesa dos Bragança. Um acordo de tronos, como convinha para duas famílias reais europeias.


A primeira imperatriz brasileira viveu pouco, morrendo em 1826 e, em nove anos na corte, engravidou nove vezes. Mas seu papel na história do Brasil vai muito além de ser apenas a esposa de Dom Pedro I. Ela foi fundamental no processo de independência, que implodiu o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.


Foi ela quem convenceu José Bonifácio a aceitar a nomeação para ser ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros. A Declaração da Independência, escrita por Bonifácio, foi assinada por ela em 2 de setembro de 1822 e enviada por mensageiros a cavalo para Dom Pedro, que estava em São Paulo na ocasião. Seus textos foram decisivos.


“O Brasil será em vossas mãos um grande país, o Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará sua separação. O pomo está maduro, colhe-o já senão apodrece”, escreveu Leopoldina numa das três cartas que enviou a Pedro. O grito do Ipiranga foi consequência não só das ameaças portuguesas de reconduzir o Brasil à situação de colônia, mas também dos esforços da princesa.

Dom Pedro I e Dona Leopoldina em pintura de Julien Palliere, 1826 (Divulgação)

O conselheiro do príncipe regente
José Bonifácio nasceu em Santos em 1763 e formou-se em Direito e Filosofia Natural na Universidade de Coimbra, em Portugal. Em 1790, ele assumiu uma missão em mineralogia patrocinada pelo governo português, em que precisava viajar por vários países europeus.


Dez anos depois, quando retornou a Portugal, ele esperava reconhecimento e altos cargos. Mas, nada feito. Ele só conseguiria destaque mesmo no Brasil. Em 1819 e já com 56 anos de idade, voltou para São Paulo, onde começou a ganhar influência e poder.


No ano seguinte, eclodiu uma revolução em Porto, Portugal. O governo absolutista português ruiu e as cortes gerais passaram a mandar no reino. Dom João VI, que estava desde 1808 no Brasil, foi obrigado pelas cortes a voltar para Lisboa. Ao partir do Rio de Janeiro, deixou o filho Dom Pedro como príncipe regente.


Mas as cortes não se deram por satisfeitas: tentaram limitar o poder de Pedro e exigiram o retorno do herdeiro do trono para Lisboa. José Bonifácio, que a essa altura já havia virado um político poderoso em São Paulo, chegando ao cargo de presidente da Junta Governativa da Província, foi uma das pessoas que aconselhou Dom Pedro a ficar no Brasil e a declarar a separação de Portugal, em 1822.


Apesar de ter conseguido emplacar o título pomposo de “o Patriarca da Independência”, o rompimento com Portugal foi uma conquista de vários conselheiros, não um feito individual de Bonifácio. Mais tarde, um grande revés. Diante de uma conjuntura política conturbada, Dom Pedro virou às costas para seu grande aliado, que então partiu para o exílio na França. Mas o mundo deu mais algumas voltas e ele foi chamado a regressar ao Brasil para assumir uma das missões mais importantes para o império brasileiro: ser o tutor do filho de Pedro, o futuro Dom Pedro II.

José Bonifácio incentivou que D. Pedro permanecesse no Brasil (Divulgação/Museu do Ipiranga)