Início Geral “Que o Brasil retome seu lugar na geopolítica”

“Que o Brasil retome seu lugar na geopolítica”

Emanuele Mantovani, militante do PT e que também foi candidata a vice-prefeita nas eleições de 2020, fala sobre o novo governo de Lula


Momento da cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto
TÂNIA REGO/AGÊNCIA BRASIL LOCAL

Ana Souza – [email protected]

“Temos um grande trabalho de reconstrução do Brasil pela frente e o PT de Santa Cruz do Sul está preparado para os desafios que estão por vir”, com estas palavras de Emanuele Mantovani, militante do Partido dos Trabalhadores (PT), abrimos a entrevista que o Riovale Jornal fez sobre o governo federal, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e as expectativas e reflexos para Santa Cruz do Sul. Emanuele, a entrevistada, também foi candidata a vice-prefeita nas eleições municipais no pleito de 2020, na época, pelo PCdoB na coligação com o PT.


Segundo Emanuele, Brasil poderá sair do mapa da fome com articulação de políticas públicas
Divulgação/RJ

Riovale Jornal: Qual o significado para você da volta de Lula à presidência?

Emanuele Mantovani – Os últimos anos, desde o golpe na presidenta Dilma, têm sido muito difíceis, sobretudo os 4 anos do governo Bolsonaro. Eu sou de uma geração que viu a fome, a miséria, o desemprego e todas as dificuldades que o nosso povo passou nos anos 1980 e 1990, assim como vi as duas eleições do presidente Lula e da presidenta Dilma. Vi o quanto a vida do povo melhorou, graças às políticas públicas  implementadas. O Brasil saiu do mapa da fome, se tornou a 6ª economia do mundo e estivemos próximos de chegar ao pleno emprego. 

Agora, ver o que foi construído em quase 20 anos ser destruído em apenas 4, foi muito duro. Foi muito triste ver a volta da fome, os 700 mil mortos na pandemia, a escalada de ódio e violência, as mentiras, a perseguição à esquerda, o desmanche na educação, na cultura, na ciência, o ataque às nossas instituições, o desrespeito à imprensa e o total descaso com a vida do povo. O que aconteceu no dia 08 de janeiro, em Brasília, é resultado de 4 anos de incentivo à violência, ao ódio e ao desrespeito às nossas instituições. 

Então, a minha expectativa com a volta do presidente Lula é que o Brasil retome seu lugar na geopolítica e que a gente volte a ser um país civilizado, que respeita a ciência, que respeita a imprensa, que valoriza a educação e a cultura, que respeita as instituições e a democracia e que valoriza seu povo. A vitória do presidente Lula é a vitória de quem acredita que o Brasil pode ser um país bom para todos e para todas.

RJ: Quais os reflexos que a eleição de Lula traz para Santa Cruz e para o PT no município?

Emanuele: O PT em Santa Cruz, como a esquerda, de forma geral, passou por momentos de dificuldade nos últimos anos, mas sempre se manteve firme. Assumimos um lugar importante no combate ao governo Bolsonaro, disputamos as eleições municipais em 2020 e fizemos uma bonita campanha para o presidente Lula, assim como para nossos candidatos ao governo do Estado, ao senado e aos legislativos estadual e federal. Tudo isso nos coloca em uma posição importante, como a alternativa em Santa Cruz do Sul, que tem uma disputa polarizada entre dois grupos políticos distintos, mas que, na prática, têm projetos muito semelhantes. 

Isso, graças ao trabalho coletivo e ao empenho de toda a nossa militância que nunca deixou de acreditar nessa vitória. A eleição do presidente Lula reforça a importância do Partido dos Trabalhadores no campo progressista e nos dá muito ânimo. No entanto, sabemos que precisamos estar vigilantes e firmes frente aos grupos terroristas, que atentam contra a nossa democracia e é nosso papel seguir em defesa do nosso governo, das nossas instituições democráticas.  

RJ: Quais os programas do governo Lula (2003-2010) que deveriam ser relembrados e retomados na nova administração?

Emanuele: Algumas políticas públicas, para funcionar, dependem de outras. Ou seja, andam entrelaçadas. Por isso, é difícil especificar os programas. O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, possibilitou o financiamento da casa própria para milhares de famílias, mas para funcionar, ele dependia de investimento no setor produtivo e de geração de trabalho e renda. Aí entra o Programa de Aceleração do Crescimento, que gerou trabalho, sobretudo para a população das periferias. O combate à fome, dependia de uma série de medidas como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. O combate à pobreza passava, também, por diversas frentes para geração de trabalho e renda e qualificação profissional como o Pronatec.

Mas além disso, o ProUni, o Ciências Sem Fronteiras, o Mais Médicos, Farmácia Popular, Luz para todos, Pronaf, Fundo de Amparo ao Trabalhador, Brasil Sem Miséria… Enfim, foram muitos programas importantes e que foram destruídos nos últimos 4 anos, mas tenho certeza de que vamos reconstruir tudo. Em um país desigual como o Brasil, precisamos garantir direitos e oportunidades por meio de políticas públicas que levem em consideração os aspectos de gênero, raça e classe social porque sabemos que, no Brasil, a população mais vulnerável são as mulheres e as pessoas pretas, que são a maioria dos pobres. Então, precisamos retomar essas políticas públicas com o olhar voltado aos que mais precisam delas.

RJ: Fale um pouco de sua representação perante o PT de Santa Cruz e atuação do partido neste contexto.

Emanuele: A minha representação no PT de Santa Cruz é como militante, igual a dezenas de outros militantes, mulheres e homens que constroem o dia a dia do partido e, na medida do possível, estou à disposição para contribuir com o que for necessário. Em 2020 disputei as eleições municipais (na época, pelo PCdoB) na coligação com o PT. Fizemos um excelente debate e junto com nossas candidatas e candidatos ao legislativo municipal mostramos que o partido tem importantes lideranças políticas que são referência não só em Santa Cruz, mas na região. Em 2022 nossa militância fez uma campanha belíssima, que mostrou a força do nosso partido. Temos um grande trabalho de reconstrução do Brasil pela frente e o PT de Santa Cruz do Sul está preparado para os desafios que estão por vir.

RJ: Você entende que Lula e sua equipe conseguirão tirar novamente o Brasil do mapa da fome? Como isso pode ser feito, no seu entendimento?

Emanuele: Sim, infelizmente, tirar o Brasil do mapa da fome é uma pauta que parecia superada, mas que volta, 20 anos após a primeira eleição do Lula, em função da destruição que o Brasil sofreu nos últimos anos. Precisamos de políticas sociais emergenciais como o Bolsa Família, mas também o investimento em políticas públicas de geração de trabalho e renda, educação e incentivo à agricultura familiar que produz alimentos de qualidade. Então, é preciso atuar, principalmente em duas frentes: garantia de alimentos por meio de programas de incentivo à agricultura familiar, distribuição de terras, reforço da merenda escolar e garantia de estoques reguladores. A outra frente é garantir que a população mais pobre tenha acesso aos alimentos por meio do aumento do salário mínimo, redução na taxa de desemprego, controle da inflação e complementação de renda (Bolsa Família). Sabemos o caminho porque já fizemos isso uma vez e podemos fazer de novo. 

RJ: Você acredita em uma possível nova reforma da previdência, flexibilizando a reforma feita no governo Bolsonaro? Essa possível reforma é necessária no seu entendimento?

Emanuele: Essas antirreformas, a previdenciária e a trabalhista, praticamente inviabilizaram a aposentadoria. E, como sempre, as pessoas mais vulneráveis são as mais atingidas, como as mulheres e trabalhadores rurais. Essas duas reformas precisam ser revistas porque hoje, trabalhadores e trabalhadoras têm negado o seu direito à renda e à dignidade depois de uma vida inteira de trabalho. Infelizmente, a revogação dessas reformas não é possível porque isso comprometeria o investimento em outros setores importantes, mas elas foram um duro golpe nos trabalhadores e trabalhadoras e precisamos encontrar mecanismos para reduzir seus impactos negativos.

RJ: A presença de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda, é positiva no seu entender, diante dos chamados “riscos” à economia que são apontados pela direita?

Emanuele: Entre os principais desafios que Haddad vai enfrentar à frente do Ministério está o chamado risco fiscal, que gera desconfiança do tal mercado, essa entidade que ninguém sabe exatamente quem é e como funciona, mas que é onipresente. Mas há uma desconfiança muito grande do mercado em relação ao nome dele porque o mercado opera, principalmente, baseado em projeções futuras e há uma grande preocupação com o teto de gastos. Bolsonaro furou o teto em cerca de 100 bilhões em 2022 e o mercado não se preocupou porque sabia que era uma medida eleitoreira que não se sustentaria após as eleições. Agora, o investimento em políticas sociais e outras áreas importantes tem gerado essa apreensão e especulações negativas porque, para o mercado, incluir o pobre no orçamento e acabar com a fome, não é uma prioridade. A grande preocupação do mercado, não é com os 30 milhões de brasileiros que passam fome, a prioridade é que investidores continuem ganhando dinheiro com os títulos da dívida pública. 

Mas o Haddad é competente, articulado e está montando uma boa equipe técnica, que deve equilibrar as relações e a tomada de decisões do Ministério.